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Jornal do Comércio, terça-feira, 28 de dezembro 

 

Tarso Genro traça perspectivas para o Estado

O governador eleito Tarso Genro (PT) projeta que a ampliação de incentivos fiscais para a cadeia produtiva tradicional do Estado vai entrar em vigor ainda em 2011. O petista quer induzir o crescimento e diminuir as desigualdades regionais

Guilherme Kolling e Samir Oliveira

Governador eleito planeja captar R$ 2 bilhões no Bird e no BNDES para investir em 2012

Jornal do Comércio - Como avalia o Estado que o senhor vai assumir em 2011?

Tarso Genro - É diferente do Estado que a governadora Yeda (Crusius, PSDB) assumiu. Por duas razões: uma massa enorme de investimentos do governo federal; segundo, uma movimentação intensa do setor privado, originária especialmente do polo naval. E há um astral político novo no Estado, originário da vontade manifestada nas eleições de - sem acabarmos com o debate, com disputas de oposição e governo - instituirmos um projeto político baseado na concertação, na tolerância e na vontade de ter um modelo de transparência de controle público.

JC - Que investimentos o senhor projeta para 2011?

Tarso - Vamos dar continuidade às obras que estão sendo feitas e sobre as quais não pende nenhuma questão legal, técnica ou administrativa. Estamos preparados para no primeiro mês de governo já começarmos a captação de recursos. Estamos trabalhando, não só numa carta-consulta ao Banco Mundial (Bird) e ao Bndes, como também estamos preocupados em apresentar projetos para os recursos liberados pela União no próximo período. Os investimentos no primeiro ano não serão grandes.

JC – Com recursos do Tesouro do Estado, quanto será investido em 2011?

Tarso – Cumpriremos a peça orçamentária. Não sei quantificar o valor nesse momento. Os dados disponibilizados para nós são incompletos.

JC – A carta-consulta para o Bird está pronta? Quando o senhor vai procurá-los?

Tarso - O documento está pronto. Antes de ingressarmos no governo, trabalhamos nessa questão. Pretendemos, para o segundo ano de governo, ter quase R$ 2 bilhões de investimentos, através de recursos do Bird e do Bndes, iniciando o cumprimento da nossa meta de aumentar os investimentos no Estado, não só através de recursos da União, de captação em agências, e também de recursos próprios do Estado.

JC – Esses recursos do Bird e do Bndes seriam para acessos asfálticos e estradas?

Tarso – Para a organização institucional do Estado, qualificação tecnológica da máquina, plano de investimento microrregional e um aporte de infraestrutura, principalmente estradas.

JC – Será R$ 1 bilhão com cada banco?

Tarso – O Bndes é um valor maior. Entre R$ 1,3 bilhão e R$ 1,6 bilhão, estamos discutindo.

JC – E os recursos do governo federal, ministérios, órgãos de fomento, já para 2011?

Tarso – O volume de recursos é impossível definir nesse momento. Mas serão principalmente para saúde, habitação, educação e segurança. Estamos trabalhando antes de assumir para trazer no próximo ano.

JC – Além de investimentos do Estado, o senhor falou na campanha em ampliar incentivos fiscais para a base produtiva histórica, como o setor coureiro-calçadista. Esse projeto será aplicado em 2011?

Tarso – Não só ao setor coureiro-calçadista, mas também a todos os setores envolvidos nesses investimentos que o governo federal e o setor privado estão fazendo, como, por exemplo, o polo naval e investimentos em infraestrutura. Vamos continuar utilizando o Fundopem como ele está, com determinados critérios de regionalização. Queremos, já no primeiro semestre, desenhar ou um novo fundo ou uma estrutura adicionada ao Fundopem. Especificamente orientado para locações de empresas para suscitar o desenvolvimento regional, direcionar investimentos para as áreas que interessem ao Estado.

JC – A ideia é que esse projeto passe pela Assembleia e já esteja em vigor no primeiro semestre de 2011?

Tarso – Sem dúvida. E os técnicos vão dizer como será, pode ser uma simples modificação na lei do Fundopem. Queremos aplicar já em 2011.

JC – E a Metade Sul do Estado nesse projeto?

Tarso – A Metade Sul se encontra na beira de uma situação virtuosa. Temos o polo naval e a institucionalização da educação técnica, as universidades abertas do Brasil, a Unipampa, e investimentos em estradas, feitos pelo governo federal. Então, temos que organizar incentivos e, ao mesmo tempo, integrar os diversos projetos da iniciativa privada e do governo federal com programas do governo estadual. Formação e qualificação de mão de obra, extensão universitária, ligações asfálticas e qualificação em geral do sistema educacional. Vamos ter uma atenção especial com relação à saúde e à habitação. Porque esses investimentos geram uma dinâmica virtuosa, mas também abrem questões sociais que devem ser respondidas pelo Estado. Já estamos fazendo um portfólio de todos os investimentos que estão sendo feitos, especialmente na Metade Sul, para verificar o que o Estado tem que fazer para potencializá-los.

JC - Para que produtos necessários a esses investimentos sejam feitos na Metade Sul?

Tarso – Esse é um aspecto decisivo. Tem uma empresa que integra o polo naval, a Engevix, que veio me procurar e dizer que esse ano vai precisar de 1.200 soldadores. Como é que se forma isso? O Estado tem que qualificar a mão de obra para que o progresso seja um aumento da geração e distribuição de renda na Metade Sul, o que não vem do trabalho de fora. Esse vai passar por aqui simplesmente. Quando a gente tem mão de obra disponível, que seja formada, agrega renda nessa região.

JC – O senhor pretende ser um embaixador dos produtos do Estado no exterior. O que dá para fazer já em 2011?

Tarso – Vamos, ainda durante este ano, fazer uma viagem vinculada ao programa Melhor Carne do Mundo, que está em preparação. Já fizemos vários contatos no exterior e aqui nesse sentido. Esse programa tem uma dimensão simbólica, porque ata uma relação estratégica com a pecuária no Rio Grande do Sul, atividade econômica muito importante e que não tem tido o apoio sistemático do Estado para promover os seus produtos. Hoje,  numa churrascaria em Madri ou Lisboa, a carne que oferecem é argentina ou texana, não é carne gaúcha. Isso por falta de iniciativa. Queremos fazer uma disputa forte e ocupar um nicho do mercado global, com responsabilidade técnica e qualidade sanitária.

JC – Durante a transição, houve polêmica em relação a posições divergentes sobre três projetos: ERS-010, complexo prisional em Canoas e revitalização do Cais Mauá. Essas iniciativas avançarão em 2011 ou passarão por ajustes?

Tarso – Não sabemos ainda. A governadora está tomando uma série de medidas e tem competência para tomá-las. Depois do dia 31, cabe a mim reexaminar e tirar se tiver um vício legal. Nossa posição é de boa vontade. Quero resolver e tocar os projetos. Temos que ver se estão dentro da legalidade e se são vantajosos para o Estado. Não estou prejulgando nenhum mérito. Projetos que estiverem encerrados na sua legalidade, assinados com contratos cumpridos, não vamos dissolver. Agora, não vou tomar nenhuma decisão que possa me levar a ser processado por improbidade. Então, vou examinar cada um desses programas.

JC – Os pedágios vencem em 2013, mas o senhor planeja definir o novo modelo ainda em 2011. Como isso será feito?

Tarso – Através de uma câmara especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Vamos chamar o Ministério Público, a inteligência acadêmica, a experiência comunitária, e discutir o modelo mais adequado. Enquanto isso, vamos negociando com a União como fica esse período até 2013. Não temos nenhuma contrariedade em retomar o controle desse processo acordado com a União, a partir de um novo modelo, em que a gente possa baratear os pedágios, tendo inclusive uma participação dos Coredes (Conselhos Regionais de Desenvolvimento) na fiscalização dessas operações. A experiência do governo federal é positiva. Os custos são a metade do pedageamento aqui do Rio Grande do Sul. Tem que ver a forma mais fácil de baratear e qualificar o sistema para o usuário.

JC – O senhor planeja um governo com maior atenção às políticas públicas, como segurança, educação, saúde. O que o cidadão vai sentir em 2011?

Tarso – O cidadão vai sentir a nossa movimentação. Os efeitos de qualquer projeto sério na área de segurança ou saúde pública são sempre a médio e longo prazo. Educação também. É demagógica a visão de que isso se resolve com choques - “choque de segurança”, “choque de gestão”. O que a população vai sentir é que começou a mudar. Os efeitos das mudanças de políticas públicas normalmente se dão no final do segundo ano do governo. Tanto que dissemos na campanha: nossas mudanças serão processuais, profundas e bem planejadas. Agora, a comunidade  saberá do diálogo que vamos estabelecer com cada região. Isso vai ser sentido desde o primeiro momento.

JC - Como?

Tarso - Pela comunicação do governo, pela movimentação dos agentes públicos, por mecanismos de participação. Queremos que o Rio Grande do Sul se transforme em um Estado referencial para a modernização e o aprofundamento da democracia. Vai ser um governo aberto à sociedade, com transparência, e intolerante com qualquer desvio de conduta dos agentes públicos.

JC – O Proesci (Programa Estadual de Segurança com Cidadania) funciona em 2011?

Tarso – A integração plena demora um ano e meio, dois anos, porque precisa, além de aportes tecnológicos, de organização institucional, de diálogo entre as populações e da instalação e estruturação dos gabinetes integrados de segurança pública. Alguns já existem. Então, nessas regiões, esse tipo de política será potencializada. A orientação que passei ao secretário de Segurança é a seguinte: me apresente no começo do ano quais territórios vão servir de modelo, e qual a potencialização que será dada ao Pronasci. Então, vamos ter, não mais dois ou três territórios, mas provavelmente dez territórios com o Pronasci.

JC – Quando pretende implementar o piso nacional para os professores do Estado?

Tarso – A negociação vai ser no primeiro semestre. Vamos estabelecer um diálogo com os professores, servidores das escolas, sociedade civil, pais, acadêmicos da área, para que se tenha uma agenda que não seja apenas salarial. Porque são três agendas em relação à educação: salarial; agenda de um sistema estadual de avaliação, que instituí no governo federal para o Ensino Superior, e quero instituir aqui a do Ensino Fundamental e Médio; e agenda da formação continuada, a qualificação dos professores. A direção do Cpers é esclarecida para saber que a agenda dos salários tem que estar integrada na qualidade da educação.

JC – E os mínimos constitucionais, 12% de recursos para saúde e 35% para educação?

Tarso – Vai ser um aumento crescente para se aproximar da meta até o fim do governo. Por exemplo, para ciência e tecnologia está sendo investido hoje 0,1%. E o índice constitucional determinado é 1,5%. É possível chegar a 1,5% no ano que vem? Não. Mas é possível chegar a 0,7%. O que já é sete vezes mais. Na saúde, andamos em 3,8%. Então, 6,5% no ano que vem é um aumento extraordinário. Vamos aumentando até chegar ao percentual constitucional.

JC – O senhor destacou que pensa um Estado modelo em democracia. Como será a participação? Consulta Popular, Orçamento Participativo, Coredes, votação na internet?

Tarso – Já está sendo desenhado, mas de maneira genérica. Essa é uma questão estratégica para o nosso governo. Queremos transformar o Rio Grande do Sul em um laboratório de experiências democráticas, que utilize mecanismos de democracia direta e de participação virtual e a experiência de conselhos. Que utilize a participação regional, através dos Coredes. E que permita a democracia direta do cidadão com outras formas de participação, através das entidades, associações, órgãos de consultoria superior como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. E tem que ser despartidarizada e respeitosa com as diferenças. Queremos que essa experiência, como no nosso hino, “seja modelo a toda Terra”. Porque identificamos, em termos mundiais, uma crise do Estado de Direito e uma crise na democracia. Exemplo: como se pode ter um efetivo Estado de Direito sem aproveitar os novos meios tecnológicos de comunicação, que podem trazer para a esfera pública a participação de centenas de milhares de jovens que não são ouvidos, não são respeitados. Queremos criar uma experiência de governo que consiga aprofundar a democracia, qualificá-la, e torná-la dinâmica na relação com a sociedade.

JC - De que maneira?

Tarso - Está se desenhando uma nova cultura política no Estado, onde as pessoas, sem perder sua identidade, entendem que têm pontos estratégicos para concertar e, portanto, criar uma nova hegemonia, que não é classista, não é dos empresários nem dos sindicatos, nem da classe média. É uma hegemonia concertada em cima desse programa de governo. Então, temos uma situação privilegiada. Podemos ser um exemplo de revigoramento da democracia e de coerência programática. Essa oportunidade está dada pela discussão prévia com a sociedade do nosso programa, pela vitória no primeiro turno e pela abertura de diálogos políticos que estamos fazendo com o atual governo.

JC – Nessa linha, já se articulam eventos internacionais para o Estado.

Tarso – Já temos três eventos “contratados.” Um evento mundial das fundações - desde a fundação de partidos até as fundações da sociedade civil - para discutir as instituições democráticas. Um evento sobre transparência e combate à corrupção, e o Encontro Ibero-Americano dos Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social. Todos no segundo semestre.

JC – E o Fórum Social Mundial, pode voltar?

Tarso – Vamos preparar todas as condições para trazer o Fórum. Isso tem efeitos econômicos positivos e nos ajuda a vencer uma questão que assola o Rio Grande do Sul, que é o “paroquialismo político”. Uma razoável parte das forças políticas acha que a política no Rio Grande do Sul começa e termina na sua cidade ou no seu Estado. Todas as grandes questões da região ou do Estado são nacionais e mundiais ao mesmo tempo.

JC – O senhor tem uma base confortável na Assembleia. É possível manter o programa de governo sem concessões?

Tarso – Não. Todo programa de governo é dinâmico e passa pelo crivo da oposição e da sociedade, tem que fazer concessões. Não temos a ilusão de aplicar matematicamente o nosso programa. O que o programa não pode é perder o rumo, os princípios.