Processo :  10902213753

Comarca :  Porto Alegre/RS

Vara        :  1º Juizado da 4ª Vara Cível

Tipo        :  Ação de Indenização por Danos Morais

Autor      :  João Guilherme Crusius D'Avila e Vinícius Crusius D'Avila

Réu         :  Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul- CPERS

                  e Rejane da Silva de Oliveira

Juiz         :  Eduardo João Lima Costa

Data        :  28/04/2010

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                        Vistos etc.

 

 

                        JOÃO GUILHERME CRUSIUS D'AVILA e VINÍCIUS CRUSIUS D'AVILA, já qualificados, através de procurador constituído,  ajuizaram Ação de Indenização por Danos Morais contra CENTRO DOS PROFESSORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL- CPERS e REJANE DA SILVA DE OLIVEIRA,  porquanto, os autores, netos da Governadora do Estado, Yeda Crusius, foram compelidos a permanecer em sua residência em decorrência de manifestação pública patrocinada pelos réus.

 

Narraram que os demandados promoveram, na frente da residência dos autores, um protesto, repudiando a Governadora do Estado, com cerca de 200 participantes, o que constrangeu os requerentes que não puderam ir à escola, e sequer à via pública. Os autores temeram que a casa fosse invadida.

 

Houve abuso no direito de reunião. Os réus nem mesmo informaram as autoridades onde iriam realizar a manifestação, inicialmente planejada para ser na frente do Palácio do Governo.

 

Teceram comentários quanto aos danos morais.

 

Requereram a procedência da ação para ser a parte demandada condenada a lhes pagar indenização por danos morais, a ser arbitrada.

 

                        Juntaram documentos e procuração, a fls. 18/62.

 

CENTRO DOS PROFESSORES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL- CPERS e REJANE DA SILVA DE OLIVEIRA, citados, ofertaram contestação, a fls. 65/74.

 

Em preliminar, suscitaram da falta de interesse de agir dos autores. Não houve conduta ilícita dos requeridos. Disseram que a Governadora do Estado usou seus netos para dramatizar a situação e defender os seus interesses.

 

No mérito, negaram a ocorrência de dano moral.

Ressaltaram que os autores não sofreram qualquer tipo de ameaça física. Discorreram sobre as razões do protesto e os ônus decorrentes do cargo ocupado pela avó dos demandantes, o que, por evidente, reflete em seus familiares.

 

Citaram jurisprudência.

 

Requereram a improcedência, caso superada a preliminar, a fls. 65/74.

 

Juntaram procuração e documentos, fls. 75/83.

 

Veio a réplica, a fls. 86/94, com documentos, a fls. 95/8.

 

Em saneador, foi rejeitada a preliminar arguida pelos réus e designada audiência de instrução e julgamento, fl. 109.

 

Realizada audiência de instrução e julgamento com oitiva das partes e testemunhas, após recusada a conciliação, a fls. 144/164v.

 

As partes, com base na prova, renovaram suas argumentações, em memoriais, a fls. 166/180; 181/193.

 

Em parecer, a Dra. Promotora de Justiça é pela procedencia do pedido, a fls. 195/204.

 

É O RELATÓRIO.

                        DECIDO.

 

                        A presente lide, face o inusitado dos fatos, apresenta algumas peculiaridades que devem ser bem delimitadas, a fim de solução judicial.

 

                        O fundamento do pedido, conforme expressado na inicial (fls. 02/03, está assim resumido:

 

 

A presente ação pretende a condenação de entidade ré e sua presidente à reparação de danos morais produzidos em virtude de ato ilícito praticado pelas demandadas, as quais promoveram, em frente à residência dos autores (Rua Araruama, n. 806, bairro Vila Jardim, Porto Alegre/RS), manifestação pública de repúdio à Governadora do Estado Yeda Crusius, sua avó, constrangendo-os, ilegalmente, a ficarem no interior de sua residência, assustados, coagidos, temerosos, sem poderem exercer, de imediato e no momento em que o desejavam, e necessitavam, o legítimo direito acesso à escola e à via pública. Os autores, em dado instante, chegaram a temer que sua residência viesse a ser invadida pelos manifestantes do CPRES liderados pela demandada Rejane.

 

 

                        Em suma, acenam ofensa ao Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal, o que merece responsabilização civil.

 

                        Incontroverso, na forma do inciso II do artigo 334 do Código de Processo Civil, da manifestação ocorrida, no dia 16.07.2009, às 7 horas e 10 minutos, em frente a residencia da Excelentíssima Governadora do Estado, senhora Yera Crusius. Logo, prescinde-se de maiores dilações acerca deste fato, quando as partes não divergem disto, pois.

 

                        Pondere-se que a presente lide não  poderá adentrar em julgamento da Excelentíssima Senhora Governadora do Estado, quando o objeto do pedido é induvidoso, mas inescusável que algumas ponderações acerca do agir público daquela deverá ser aferido por esse julgador.

 

                        Acenam os autores que a manifestação/protesto do CPERS ofendeu a privacidade merce que defronte a residencia privada da  Excelentíssima Governadora do Estado, o que é inadmissível ante a natureza da moradia particular daquela e seus parentes (filha e netos).

 

                        Contudo, ouso discordar acerca da tese, quando correta a alegação das requeridas (fls. 71) de que se trata de imóvel público num sentido amplo.

 

                        Na verdade, a  Excelentíssima Governadora do Estado optou em manter residencia em casa que adquiriu e lá mantém todo um staf  governamental que lhe oferece o Estado do Rio Grande do Sul.

 

                        Neste sentido, depos Tarsila  Crusius (fls. 146):

 

 

J: Tem segurança no prédio? D: É uma casa e conta normalmente com uma pessoa como segurança na parte de dentro.

 

J: Fornecida pelo Estado? D: Fornecida pelo Estado.

 

J: Tem todo o estafe do Estado na casa? D: Não, tem um segurança que certamente não estava preparado para receber centenas de manifestantes ali na frente.

 

 

                        Ademais, inquestionável que o imóvel particular da  Excelentíssima Governadora do Estado serve de alternativa à Ala Residencial do Palácio Piratini aonde deverão manter residencia os governadores de Estado. Logo, o imóvel particular, em realidade, adquiriu o status de imóvel público, uma vez que lá mantém residencia a Excelentíssima Senhora Governadora e dispõe das regalias e direitos que o Estado lhe concede.

 

                        Portanto, a manifestação em plena via pública e defronte à residencia da  Excelentíssima Governadora do Estado não se constitui uma invasão à intimidade ou privacidade da senhora Yeda Crusis, caso contrário esta jamais poderá sofrer qualquer prejuízo em sua órbita subjetiva por eventual pleito político.

                         

                        Pondero que a residencia aonde residem os autores, face estabelecidos em imóvel de natureza pública quando a  Excelentíssima Governadora do Estado fez essa opção, constitui-se em bem público no sentido de não estar inume a manifestação política. E, por isso,  a assertiva de invasão da intimidade ou vida privada (fls. 03, in fine), não é veraz e nem se sustenta no ambito dos fatos e desta ação!

 

                        HANNAH ARENDT, em sua fundamental obra A Condição Humana, Forense Editora, 2007, p. 81, ao escrever entre os limites do social e do privado, apontou:

 

 

A segunda importante feição não privativa da privatividade é que as quatro paredes da propriedade particular de uma pessoa oferecem o único refúgio seguro contra o mundo público comum – não só contra tudo o que nele ocorre mas também contra a sua própria publicidade, contra o fato de ser visto e ouvido. Uma existência vivida inteiramente em público, na presença de outros, torna-se, como diríamos, superficial. Retém a sua visibilidade, mas perde a qualidade resultante de vir à tona a partir de um terreno mais sombrio, terreno este que deve permanecer oculto a fim de não perder sua profundidade num sentido muito real e não subjetivo. O único modo eficaz de garantir a sombra do que deve ser escondido contra a luz da publicidade é a propriedade – um lugar só nosso, no qual podemos nos esconder.

 

                       
                        Transportando o princípio da expoente pensadora Hannah Arendt para o caso em tela, o mundo privado dos familiares da  Excelentíssima Governadora do Estado, no caso os autores, sempre foi respeitado na manifestação política em apreço, eis que (a) jamais houve ofensa verbal a conduta dos mesmos, (b) não se alegou alguma fato de natureza privada da senhora Yeda Crusis e (c ) sequer adentrou-se aos limites interno do imóvel que serve como ala residencial do Palácio Piratini.

 

                        Não se misturou o público com o privado, face resguardada a intimidades daqueles que mantém residencia na Rua Uraruama 806, em Porto Alegre.

 

                        Realço, pois, que a manifestação de cunho político defronte ao imóvel que serve de moradia à  Excelentíssima Governadora do Estado não poderá ser tipificado de ilícito ou  ilegal. Aliás, regra que vale também para esse julgador, porquanto algum ato ou manifestação pública contra decisão judicial, inclusive defronte à sua residencia, constitui-se em ato lícito!

 

                        Avançado-se no debate do tema, esclareço que mesmo que no citado imóvel lá estão estabelecidos os autores da ação, o fato é que isso não os isenta de sofrerem os encargos dos reflexos da situação pessoal da  Excelentíssima Governadora do Estado.

                        Explico a tese.

 

                        A Constituição Federal, em feliz princípio, impede o nepotismo na função pública (art. 37), do que resultou a  Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal. E isso remete da impossibilidade de qualquer magistrado, inclusive esse julgador, manter parente  até terceiro grau na administração em geral ou tribunal, inclusive em nepotismo cruzado.

 

                        Então, do ponto de vista pessoal do atingido pela ordem constitucional, o parente sempre será prejudicado em relação ao seu interesse privado, porém se assegura que o Estado não tenha natureza patrimonialista, conforme descreve RAYMUNDO FAORO em seu livro Os Donos do Poder. E, assim, os partes (filhos ou netos de um Juiz de Direito) terão uma restrição de ordem subjetiva, mas que atente ao interesse público, mas com as benesses de vantagens materiais e sociais do cargo do que o parente está investido.

 

                        Mudando o foco, a fim de atender a solução da lide, os netos da   Excelentíssima Governadora do Estado ao residirem no imóvel e terem a disposição o staff do Estado do Rio Grande do Sul à sua disposição, conforme tido por Tarsila Crusis (segurança e motorista, a fls. 146), sujeitam-se aos percalços dos movimentos sociais que reivindicam defronte da casa que mantém moradia!

 

                        Impossível, data máxima vênia, dissociar esse onus de quem goza um bonus!

 

                        De outro lado, aventa a respeitável inicial de desvio de poder e finalidade no direito de reunião, porém sem qualquer valia a tese.

 

                        Estampado está na prova testemunhal e documental, que o CPERS e entre outras entidades que constitui o Foro dos Servidores Públicos do Estado promoveu manifestação com intuito de protestar acerca da origem da casa da  Excelentíssima Governadora do Estado (fato alheio à essa lide) e da escolas em contêiner.

 

                        O depoimento de Rejane de Oliveira foi luzente neste ponto (fls. 147):

 

 

J: Aos costumes disse ser vítima. Não presta compromisso. Essa situação que se criou na frente da casa da Governadora, como foi, qual foi a sua participação? D: Nós servidores públicos organizamos uma mobilização pacífica na frente da casa da Governadora a levamos uma réplica de escola de contêiner que é onde os alunos de escolas públicas estão estudando, inclusive atualmente para dizer para a Governadora que nós não aceitávamos que esses alunos estivessem estudando dentro de latões, que isso era uma condição impiedosa da política do governo de colocar esses alunos estudando dentro dessas latas. Então a nossa manifestação era contra essas escolas de contêiner, fomos na frente da casa da Governadora numa compreensão de que quando uma Governadora passa a morar na sua casa para ser a extensão do palácio, então se ela morasse no Palácio Piratini nós estaríamos fazendo nossa manifestação na frente do Palácio Piratini, a nossa manifestação não era uma manifestação pessoal, uma manifestação sobre as políticas do Governo e especialmente sobre as escolas de lata.

 

 

 

                        No mesmo sentido, os depoimentos de Fernanda Melchiona Silva (fls. 149 verso) e de Érico Roni Maslinkiewicz Corrêa (fls. 163).

 

                        A finalidade do protesto, o que ressalta dos autos, é de cunho político e não de ofensa pessoal à Excelentíssima Senhora Governadora, ou aos autores. Eventual interesse escuso no ato é fato que não está esclarecido na lide e nem poderá mascarar o escopo da manifestação havida.

 

                        Não aceito o argumento de desvio de poder e finalidade no exercício do direito de reunião defronte de imóvel que serve de ala residencia da  Excelentíssima Governadora do Estado e de seus familiares (autores), quando também albergados pelas benesses do cargo exercido pela senhora Yeda Crusius, sua avó!

 

                        Fundamenta a inicial, inclusive, que sequer se respeitou mandamento constitucional que se constitui na prévia comunicação da autoridade pública da reunião que haveria (fls. 05).

 

                        Consoante bem dito na peça vestibular, trata-se de preceito de ordem programática que visa assegurar o transito de pessoas e veículos. Nada mais do que isso. Sequer há alguma sanção prevista para eventual desobediencia ao texto constitucional. E as lições dos doutos colacionadas na inicial não convence que isso implica na responsabilização das requeridas.

 

                        Ademais, o argumento é um pouco surreal, quando divorciado da praxe usual dos movimentos sociais, conforme dito pelas testemunhas.

 

                        Enfim, a assertiva, em suas devidas proporções, seria restabelecer uma prévia censura à imprensa, ou antecipada anuencia do poder público a eventual ato de algum movimento social, o que é inadmissível.

 

                        Fixada, pois, essa premissa básica, enfrenta-se a tese relativa ao dano à intimidade, à vida privada, à liberdade de ir e vir, à dignidade e ao respeito dos oras demandantes (fls. 03, caput).

 

                        De início, rejeito a assertiva de dano à intimidade, uma vez que o ato público foi em imóvel que não poderá ser aludido como estritamente privado. Tampouco a ofensa à vida privada houve, quando a manifestação do CPERS é contra atos e ações da  Excelentíssima Governadora do Estado. E, conforme prova testemunhal, nenhuma ofensa à pessoa dos autores ocorreu!

 

                        A liberdade de ir e vir, em certo modo, não foi tisnada.

 

                        Recolho do que alegou a testemunha Lucas Alves da Costa (fls. 159v):

 

 

J: O senhor falou com quem por telefone? Falou com a Casa Civil? T: Com a Casa Militar.

 

J: Com quem o senhor falou na Casa Militar? T: Na Casa Militar, foi com o Chefe de Operações que, na época, era o Major Alberto.

 

J: Ele não lhe deu ordens do tipo “Não sai ninguém de dentro de casa, avisa a Governadora”… T: Só quando chegasse a Segurança.

 

J: Então, as crianças só saíram depois que chegou a Brigada? T: A Brigada, isso aí.

 

 

                        Portanto, a possibilidade de saírem e se locomoverem da casa, de parte dos autores, havia, mas deveriam faze-lo com segurança! E isso ocorreu, o que faz sem sentido a tese de ofensa ao direito constitucional de ir e vir.

 

                        Fundamentalmente, a querela se resolve pela manifesta ofensa ao princípio constitucional da dignidade  e o respeito aos autores que são duas crianças.

 

                        Há evidente colisão de direitos que deverão ser sopesada pelo julgador, mormente com o uso do princípio da proporcionalidade.

 

                        Na lição de SÉRGIO CAVALIERI FILHO, in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 129-130, a ponderação acerca do uso deste princípio:

 

 

“Com efeito, ninguém questiona que a Constituição garante o direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (arts. 5º, IX, e 220, §§ 1º e 2º). Essa mesma Constituição, todavia, logo no inciso X do seu art. 5º, dispõe que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Isso evidencia, na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, esses dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. É tarefa do intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais em aparente conflito, porquanto, em face do princípio da unidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém; deve o intérprete procurar as recíprocas implicações de preceitos até chegar a uma vontade unitária na Constituição, a fim de evitar contradições, antagonismos e antinomias .

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Os nossos melhores constitucionalistas, baseados na jurisprudência da Suprema Corte Alemã, indicam o princípio da proporcionalidade como sendo o meio mais adequado para se solucionar eventuais conflitos entre a liberdade de comunicação e os direitos de personalidade.”

 

 

                       Na mesma linha, lição de EDISOM PEREIRA DE FARIAS, in Colisão de Direitos, Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, p. 137:

 

 

A referida colisão será abordada de acordo com o background teórico dos capítulos precedentes. Isto é, como uma colisão de princípios válidos que deve ser resolvido, levando-se em conta o peso ou importância de cada um dos princípios concorrentes, a fim de se escolher no caso concreto qual dele prevalecerá ou cederá ao outro, conforme a lei de colisão (ver itens 2 e 3 do capítulo 1).

 

 

                       Então, é o caso concreto e suas peculiaridades que norteará a solução jurisdicional,  a fim harmonizar  o direito de expressão do CPERS e o direito à dignidade e respeito aos autores.

 

                       Aqui, a dignidade dos autores se assenta na possibilidade de não sofrerem violencia física ou psicológica, ou serem intimidados por manifestação contra terceiras pessoas.

 

                       Avançado-se no debate, mormente utilizando-se da linha argumentativa da respeitável petição inicial e da contestação, a violencia contra os autores seria de duas formas.

 

                       Primeira. A possibilidade de invasão do imóvel (fls. 11, caput) que residiam com a   Excelentíssima Governadora do Estado, especialmente com “agressão” as grades que delimitam a via pública com a casa.

 

                       Não procede a tese, aqui, pois a tentativa de invasão (alegação da senhora Tarsila Crusis, a fls. 145) sequer houve e nem tem substrato na prova dos autos, porquanto os manifestantes nem transpuseram da via pública ao pátio do citado imóvel no momento que o portão da garagem foi levantado para dar passagem ao automóvel que conduziria os autores para a escola. Basta a leitura serena dos depoimentos para disto se perceber. Aliás, da visualização dos recortes de jornal anexados aos autos (fls. 79; 83), percebem-se cameras de vigilancia no imóvel, cujas filmagens sequer vieram ao feito para demonstrar possível invasão.

 

                       Ademais, a agressão ao imóvel por meio de dano às grades do imóvel (fls. 145v), também não se mostra veraz, ou que houvesse de tamanho jaez.

 

                       Joana Francisca dos Santos menciona da agressão às grades do imóvel (fls. 151v), mas isso não importa que tal fato ocorreu na medida que ausente filmagem disto e abalo das estruturas das estruturas  que sustentam a cerca.

 

 

J: Alguma vez eles tentaram invadir a grade da casa? T: Eles ficaram agarrados na grade da casa.

 

J: Mas só colocando a mão ou sacudindo a grade? T: T: Sacudiam.

 

J: E a grade chegou a cair? T: Não.

 

J: A grade é presa de que maneira? T: É um muro e grade.

 

J: Tem colunas de concreto e tijolo? T: Sim.

 

J: E essas colunas tiveram que ser refeitas para depois não caírem? T: Não.

 

J: Não chegou a abalar então as estruturas? T: Não.

 

 

                        Neste ponto, inexiste agir ilícito do CPERS e da corré Rejane Silva de Oliveira, a qual nunca foi identifica como autora deste tipo de agressão.

 

                        Segunda. A forma intimidatória dos manifestantes quando os autores deixavam a residencia por meio de automóvel.

 

                        Neste ponto, irrecusável o excesso praticado pelo CPERS e que motiva a responsabilidade civil.

 

                        A situação é evidente, pois quem detinha o domínio da ação dos fatos era o grupo que reivindicava defronte do imóvel que residem os autores. Sabiam que as crianças ali moravam e deveria ir à escola, quando a fotografia da reportagem jornalística explicita isso por si só  (fls. 79)!

 

                        O razoável e o possível, eis que não dependia de outros, era que os manifestantes se postarem ao largo do imóvel para ultrapassagem do veículo que conduzia as crianças. Entrementes, o que se ve na prova dos autos é a formação de alas (corredor polones) para que o automóvel seguisse seu destino. Logo, essa posição dos manifestantes (corredor polones) é algo intimidatório e tem um simbolismo de superioridade de quem assim se posta e de inferioridade de quem o ultrapassa que a identifica sendo pessoa de segunda classe!

 

                        De resto, a prova testemunhal também foi evidente da agressão desnecessária e sem sentido do automóvel que estavam mãe e as crianças. Aqui considero o automóvel como uma extensão do corpo das criança, cuja repulsa a qualquer violencia ao ser humano deverá ser proclamada pelo Judiciário.

 

                        Lucas Alves da Costa, motorista do automóvel, bem explica os fatos, no ponto (fls. 158v; 159):

 

 

J: O senhor? T: Sim, eu e mais um outro segurança, começamos a fazer essas ligações. Com a chegada da Segurança, com a chegada do pessoal da própria Brigada, a gente começou a querer sair da residência, porque as crianças estavam muito nervosas, estavam chorando desesperadas. Elas diziam assim: “Vão bater em nós. Mãe, tira a gente daqui”. Além disso, tinham que sair para o colégio. No momento em que a Brigada chegou na residência, nós podemos sair de lá com segurança. O pessoal do CPERS, que estava na frente, empurrava e queria bater no carro, inclusive os seguranças tiveram dificuldade para retirá-los da volta do carro. E os guris gritavam desesperadamente, chorando.

 

J: Mas algum manifestante ou o pessoal do CPERS chegou a bater no carro ou não? T: Sim, batiam nos vidros do carro.

 

J: Quem é que batia? O senhor chegou a ver quem é que batia?

T: Era muito tumulto, não tinha como ver. Eu estava preocupado em sair e em manobrar o carro para não pegar em ninguém, para poder sair com segurança.

 

J: O senhor conhece a Rejane Da Silva De Oliveira? T: Sim, conheço-a.

 

J: Ela chegou a bater no carro? T: A Rejane… Deu, deu umas batidas no carro.

 

J: Em que parte do carro ela bateu? T: Acho que no vidro daqui de trás. Quando a gente saiu do portão assim, veio e deu uma batida. Eu estava mais preocupado, olhando para frente.

 

J: Como é que o senhor conseguiu enxergar que era ela que batia no carro? T: Sim, porque ela é bem conhecida. Quando dobrei assim para sair do portão, ela estava aqui. Aí, quando passei, eu a vi segurando e dando essa batida.

 

 

                        Enfim, a verdade é que houve a formação de alas para ultrapassagem do automóvel, quando todos sabiam que ali estavam a senhora Tarsila Crusis e os autores, ao passo que a manifestação era contra a Excelentíssima  Governadora do Estado, senhora Yeda Crusis! Ato desnecessário e inútil, uma vez que somada a manifestação inicial que reconheço como lícita e justa, causaram intimidação desnecessária às crianças, o que causou ofensa à dignidade pessoal dos mesmos.

 

                        Há prova nos autos de testemunhas dos réus que não houve agressão física ao automóvel. Inclusive anoto que sequer veio aos autos fotografia do automóvel arranhado, ou amassado, cuja confecção seria de fácil obtenção. Todavia, ao caso em tela, basta essa intimidação sem sentido para impor a responsabilização do CPERS.

 

                        Registro que deixo de dar alguma credibilidade ao depoimento da senhora Vera Guasso (fls. 161/163) ante incongruencia de suas afirmativas e contradições evidentes.

 

                        Há, em favor da tese dos réus, o depoimento de Érico Roni Maslinkiewicz Corrêa (fls. 163v) que de uma forma segura esclareceu:

 

 

J: As crianças, quando saíram da casa, já tinha a Brigada Militar ou não? T: Não. A Governadora, a sua filha e as crianças e eu recordo ter visto estas quatro pessoas, mas tinha mais algum pessoal de serviço ali da casa que estava ali também, saíram até a frente quando a gente chegou, nós colocamos o container em frente a umas das 3 saídas que tem na casa. São 2 duas saídas para veículos e uma de pessoas. Nós colocamos perto desta saída aqui, da direita do container, e nós ficamos na frente da casa, no meio da rua fazendo um ato político, em fim, como a gente sempre fez. Nós historicamente nunca agredimos ninguém, nunca batemos em ninguém. E eu até entendo que a Governadora tendo saído até a grade de casa com a sua família e não ter nenhum registro em nenhum lugar de ter sido jogado um papel no pátio da casa, isto demonstra qual qualquer era o nosso intuito.

 

J: A Brigada Militar chegou a fazer um cordão de isolamento para o carro das crianças sair? T: Não, senhor, foi comandado por mim pessoalmente. Quando o carro deslocou, eu pedi para todos os colegas abrirem, o carro saiu tranqüilamente. Eu estava parado, o carro passou por mim, eu consegui, apesar dos vidros do carro serem vidros escuros, consegui ver as crianças dentro do carro. O carro sai tranquilamente. Não houve nenhuma iniciativa de nenhum dos colegas que estavam lá de impedir a saída do automóvel.

 

J: Chegaram a bater no carro com alguma coisa, chutes?

T: Absolutamente, não. Eu lhe garanto isto pessoalmente porque eu estava lá e coordenei a saída do carro.

 

 

                               Poder-se-ia, no ponto, argumentar da prova duvidosa, ou contraditória que levaria a improcedencia da ação.

 

                        Neste sentido, confira-se o seguinte precedente:

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRANSITO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. COLISÃO EM CRUZAMENTO. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHA PRESENCIAL. VERSÕES CONFLITANTES. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL DA CULPA. ÔNUS DA PROVA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Em se tratando de ação de indenização embasada na teoria da responsabilidade subjetiva, é ônus da vítima (autor), a teor do que dispõe o artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil, comprovar, de forma cabal, não somente a ocorrência dos danos alegados, como também o comportamento culposo do agente e o nexo de causalidade entre ambos, sob pena de não configuração do pretendido dever de indenizar. 2. No caso dos autos, embora sejam manifestos os danos materiais e as lesões corporais sofridas pelas partes, o conjunto probatório produzido nos autos não permite identificar qual dos envolvidos foi o responsável pelo acidente, razão pela qual a manutenção do juízo de improcedência da demanda é medida que se impõe. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70024201006, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 22/10/2009).

 

 

                        Reafirmo que a questão até ultrapassa isso, uma vez que a simples intimidação pela circunstancia do caso em concreto, é motivo suficiente para o dano moral havido em razão direta do excesso numa situação desnecessária para quem detinha o domínio da ação.

 

                        A ponderação da solvencia da lide advém do  princípio constitucional da dignidade dos autores, ao passarem por dissabor (quando em veículo que deixavam o imóvel que residia), pois até aquele momento a manifestação a partir da perspectiva do juízo cível era legítima e constitucionalmente aceitável. Eventual querela de órbita criminal não poderá ser aferida por essa julgador.

 

                        Há que imperar, aqui, o valor da ética nas relações sociais.

 

                        Aguardava-se do  CPERS, face instituição indispensável à democracia e com histórico de lutas inquestionável e de total relevancia ao Estado do Rio Grande do Sul, conduta diversa! Nenhuma nódoa há que se lançar em relação ao sindicato dos professores, uma vez que são a voz daqueles que não tem voz! Únicos defensores daqueles que estudam em “salas de latas”, cuja honorabilidade é inquestionável. Entrementes, no caso em tela, excedeu-se o movimento ao agredir, por via obliqua, os autores de forma intimidatória e desnecessária.

 

                        Relembro que se aguarda de um sindicato de professores que seja o refúgio de princípio perenes, ou seja, de respeito ao próximo, veículo de transmissão de educação  e correção de agir do cidadão, educadores exemplares e ampliadores do princípio civilizitório.

 

                        Em contrapartida, os autos demonstram de exemplar conduta dos autores, notadamente de João Guilherme, conforme gizado pela senhora Rosa Maria Noronha de Freitas, professora do autor (fls. 155v):

 

 

J: E, depois disso, houve algum embaraço dos demais colegas em relação a ele por ser neto da Governadora? T: Vou lhe dizer uma coisa: Posso falar por mim e, na minha sala de aula, não. Uma porque eu não ia permitir, e outra porque ele é uma criança com uma ética bastante grande. Nunca, em momento nenhum, ele é bem afetivo e, em momento nenhum, esnobou dizendo que a avó era Governadora.

 

 

                        Recolho da afirmativa da professora  do autor a solução da lide, ou seja, a correta valoração da ética de agir de cada litigante.

 

                        Numa sociedade emersa num sentido de individualização crescente, quebra de paradigmas, ausencia do princípio da autoridade, carencia de respeito ao próximo e a visão de obtenção de vantagem pessoal extremada, a conduta ética deverá ser valorada e reafirmada pelo Judiciário, notadamente nesta colisão de direitos que os autos explicitam. 

 

                        Na contradição do agir dos manifestantes, a desvinculação do princípio norteador de um sindicato de professores (formadores de pessoas integras e éticas) o excesso é inquestionável, repito, mormente por atuação desnecessária em determinado momento do movimento social.

 

                        Consigno que não se poderá criminalizar os movimentos sociais, cujo erro histórico é algo danoso a ser evitado, conforme EUGENIO RAÚL ZAFFARONI, in Derecho Penal y Protesta Social, Revista AJURIS n. 100.Sequer  aceitável o primarismo de raciocínio que um sindicato não poderá ter atuação política, inclusive partidária (ANTONIO GRAMSCI), quando a política é algo essencial na democracia e na da vida social!  Todavia, o excesso e desnecessidade de eventual movimento contra terceiros, quando os fatos eram perfeitamente compreensíveis e evitáveis, merece reprimenda judicial, sob pena de que inversão de valores seja uma regra social.

 

                        Mister assegurar, em favor dos autores, o direito de uma convivencia pacífica e digna na sociedade, ao passo que o movimento político é saudável e necessário, porém não poderá servir de forma de intimidação daqueles que não exercitam o poder político ou economico.

 

                        Restabelecer a tranquilidade dos autores e a segurança de uma vida igual aos seus iguais (crianças que passeiam com os pais e vivem com seus amigos)  é algo que tenho que preservar.

 

                        Recolho da  lúcida lição de uma cidadão, a senhora Débora Regina Lobo Salgado (fls. 160v), o que deveria ser o padrão do homem médio:

 

 

(...) E, agora há pouco, nós saímos na rua todos juntos e começaram a falar da arquitetura da cidade, até porque estavam estudando isso.  Lugar bonito de se viver, lugar não bonito, prédios bonitos, prédios não bonitos, e o Vinícius disse: “Brasília é legal!” Aí o João Guilherme falou: “Não, Brasília não é legal de se morar, é tudo igual, os prédios são todos iguais”. Ele refletiu um pouquinho e disse o seguinte: “É, mas pelo menos lá ninguém faz tumulto na porta da casa da gente”. Então, quer dizer, é um reflexo. Os meus filhos ficaram mudos, eu e o meu marido também. A gente fica sem saber o que dizer para uma criança em um momento desses. Ainda bem que estávamos na rua e tinham outras coisas para olhar.

 

 

 

                        Pondero, todavia, que o CPER estava na rua e poderia olhar para outra coisa!

 

                        Apenas gostaria de falar à essa senhora que eu não estou na rua e não tenho outra coisa para olhar, no momento, exceto esse processo que tenho que resolver entre dois princípios constitucionais de vital importancia para a sociedade.

 

                        Na escolho de quais dos princípios há que se adotar, escolho aquele ético e aceitável, ou seja, de uma criança que nunca se valeu do parentesco para obter uma vantagem pessoal, ou um ganho político partidário momentaneo.

 

                        Relembro que o CPERS não está sozinho na manifestação, o que poderia induzir na sua exclusão de responsabilidade, conforme alegado na contestação.

 

                        Conveniente, no ponto, da exclusão de responsabilidade civil do sindicato requerido, a leitura do texto de ZYGUMNT BAUMAN, in Modernidade e Holocausto, Jorge Zahar Editor, p. 190/191, acerca da transferência  de responsabilização dos partícipes de uma organização que comete ato ilegal e se torna, por isso, inatribuível a cada membro do coletivo.

 

 

Podemos supor que o efeito geral de tal contínua transferência de responsabilidade seria uma responsabilidade flutuante, situação na qual cada um e todos os membros da organização estão convencidos, e assim o diriam caso indagados, de que estão sob ordens de outra pessoa, mas as pessoas apontadas pelas outras como responsáveis passariam o bastão a uma terceira pessoa. Pode-se dizer que a organização como um todo é um instrumento para eliminar responsabilidade. Os laços causais em ações coordenadas são mascaradas e o próprio fato de serem mascarados é um fator superpoderoso de sua eficácia. A perpetuação coletiva de atos cruéis fica bem mais fácil pelo fato de que a responsabilidade é essencialmente “inatribuível”, enquanto cada participante desses atos está convencido de que ela compete a alguma “autoridade específica”. Isso significa que furtar-se à responsabilidade não é apenas uma estratagema a posteriori usado como conveniente excusa no caso de acusação de imoralidade ou, pior ainda, de ilegitimidade de uma ação; a responsabilidade flutuante, móvel, é a própria condição dos atos imorais ou ilegítimos que têm lugar com a participação obediente ou mesmo voluntária de pessoas normalmente incapazes de romper as regras da moralidade convencional. A responsabilidade flutuante significa na prática que a autoridade moral, como tal, ficou incapacitada, sem ter sido abertamente desafia ou negada.  

 

 

                        Fixada a responsabilidade civil do CPERS, há que se buscar solução para a responsabilidade civil ou não da senhora Rejane da Silva Oliveira.

 

                        Transparece que a tipificação do agir de Rejane da Silva Oliveira, em certo momento, é classificável como abuso de direito, quando o fato de ser presidente do CPERS e cumpria uma determinação de sua Direção malgrado presidente da entidade, além de outras entidades de classe.

 

                        Não é aceitável que o fato de uma presidente de um sindicato possa ser responsabilizado exclusivamente por eventual liderança do movimento político, sob pena de quebra de pilastra que sustenta a democracia neste país. Se assim for admissível, movimento político algum poderá existir; tampouco atuação sindical, o que corresponderá ao puro exercício da violencia associada ao poder.

 

                        Novamente, a lição de HANNAH ARENDT, in Sobre a Violência, Relume & Demará, 1994:

 

 

O poder corresponde à habilidade humana não apenas par agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido. Quando dizemos que alguém está 'no poder', na realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um certo número de pessoas para agir em seu nome.

 

 

                        Em outras palavras, a presidente do CPERS agia em nome do movimento político existente e dentro de padrões albergados pela Constituição Federal. Ademais, relembro que há previsão constitucional (art. 37) que exclui de responsabilidade civil o ente político, especialmente o magistrado quando não atua com dolo ou má-fé. Inclusive, no “plano privado”, um advogado ou jornalista que responda por todos os seus atos se  não estiver revestido de segurança mínima em sua atividade, quando  ausente culpa ou dolo, uma vez que isso se constitui, repito, garantia da cidadania e não privilégio de determinada atividade social! E, no caso em tela, a similitude da presidente do CPERS com determinada situação é situação a ser proclamada pelo Judiciário.

 

                        No plano jurídico, há que se perquirir do abuso de direito no plano doutrinária.

 

                        Doutrina MARIA HELENA DINIZ, no obra Novo Código Civil Comentado, Saraiva, 2002, p. 185, que "O uso de um direito, poder ou coisa, além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém, traz como efeito o dever de indenizar. Realmente, sob a aparência de um ato legal ou lícito, esconde-se a ilicitude no resultado, por atentado ao princípio da boa-fé e aos bons costumes ou por desvio de finalidade socieconômica para a qual o direito foi estabelecido".

 

                        Induvidoso que o exercício de ação também conduz ao abuso de direito, pois a doutrina de JOSÉ DE AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade Civil, 1983, p. 504 e seguintes bem expôs isso.

 

                        A responsabilidade civil por ato ilícito por quem age com abuso de direito induz no dever de indenizar a vítima.

 

                        A concepção clássica expunha a idéia que os direitos individuais são absolutos e o interessado podia exercê-los sem que isso importasse em ato prejudicial para alguém. Todavia, compreendeu-se que o agir com visível prejuízo para alguém, malgrado na órbita de direito individual do ofensor, correspondesse o dever de indenizar, face evolução jurisprudencial que foi acompanhada pela doutrina moderna.

 

                        Requer a doutrina de SILVIO RODRIGUES, in Direito Civil, Saraiva, 2003, p. 48,  para configuração do abuso de direito que "Se o agente atua com o único propósito de prejudicar terceiro, compelido por mero espírito de emulação, ou se o seu ato, que causa dano a outrem, não se esteia em qualquer interesse de seu autor, é manifesto que tal ato não pode obter beneplácito do ordenamento jurídico e os escritores, em geral, o consideram abusivo".

 

                        Em verdade, a prova dos autos não demonstra, inequivocamente, que a corré Rejane da Silva de Oliveira tenha se portado de forma abusiva, individualmente, ou que tenha agredido, de fato, o automóvel que conduzia os autores.

 

                        Apenas o motorista Lucas Alves da Costa referiu que (fls.158v):

 

 

J: Quem é que batia? O senhor chegou a ver quem é que batia?

T: Era muito tumulto, não tinha como ver. Eu estava preocupado em sair e em manobrar o carro para não pegar em ninguém, para poder sair com segurança.

 

J: O senhor conhece a Rejane Da Silva De Oliveira? T: Sim, conheço-a.

 

J: Ela chegou a bater no carro? T: A Rejane… Deu, deu umas batidas no carro.

 

J: Em que parte do carro ela bateu? T: Acho que no vidro daqui de trás. Quando a gente saiu do portão assim, veio e deu uma batida. Eu estava mais preocupado, olhando para frente.

 

J: Como é que o senhor conseguiu enxergar que era ela que batia no carro? T: Sim, porque ela é bem conhecida. Quando dobrei assim para sair do portão, ela estava aqui. Aí, quando passei, eu a vi segurando e dando essa batida.

 

 

                        Em suma, o único depoimento que imputa à senhora Rejane da Silva de Oliveira como agressora do automóvel é incongruente e vacilante, quando utiliza a frase “não tinha como ver”.

 

                        A prova aqui deverá ser exauriente, induvidosa e escorreita, a fim de impor responsabilização da corré, na forma do inciso I, do artigo 333 do  Código de Processo Civil.

 

                        Assim preleciona ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, in Comentários ao Código de Processo Civil, p. 21, Rio de Janeiro, Forense, 2000):

 

 

“O ônus da prova da afirmação feita no processo recai, de acordo com o critério adotado pela lei, sobre a parte que tem interesse nessa afirmação. Por isso, cabe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito, pois o autor tem interesse em afirmá-lo e deve fazê-lo na inicial.”

 

 

 

                        Improcede, pois, o pedido formulada neste ponto.

 

                        Reconhecida a responsabilidade civil do CPER, quando atenta contra o artigo 5 da Constituição Federal, pois as demais tipificação pertinentes ao Estatuto da Criança e do Adolescente não servem de escólio para justificar a culpabilidade do sindicato réu.

 

                        A conduta culposa, conforme conceito de CARLOS ROBERTO GONÇALVES, in Comentários ao Código Civil, Editora Saraiva, 2003, Volume 11, 300, assim se expressa acerca de sua viabilidade para impor indenização por dano moral:

 

 

A culpa grave consiste em não prever o que todos prevêem, omitir os cuidados mais elementares ou descuidar da diligência mais evidente. Por exemplo, dirigir u m veículo em estado de embriaguez alcoólica ou em velocidade, ingressar em cruzamento sinalizado com o semáforo fechado etc. Equipara-se ao dolo, nos seus efeitos (culpa lata dolus equiparatur). Assim, quando a lei prescreve que,  em determinada situação, o agente só responderá civilmente por seu ato se agir com dolo, como ocorre no art. 392 do Código Civil, pode-se entender que responderá também em caso de culpa grave, que àquele se equipara.

A culpa será leve quando a falta puder ser evitada com atenção ordinária. A doutrina em geral a ela se refere como o falta de diligência própria do bom pai de família. A culpa levíssima é a falta só evitável com atenção extraordinária, com extrema cautela.

O Código Civil não faz nenhuma distinção entre dolo e culpa, nem entre os graus de culpa, para fins de reparação do dano. O entanto, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização, como preceitua o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil.

 

 

                        De resto, essa culpa grave (negligência ou imprudência), ou seja, desconsideração do CPERS do resultado que se originou na sua ação não poderá ser derruída sob o pálio do exercício regular de um direito (movimento político).

 

                        Na doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade Civil, a correta interpretação da responsabilidade do ofensor:

 

 

Repetem-se com muita freqüência ações de indenização por dano moral movidas por pessoas que, processadas penalmente, tiveram o inquérito arquivado ou foram absolvidas pela Justiça Criminal por falta de provas. Nessa questão tenho me posicionado, com base na melhor doutrina e correta jurisprudência, no sentido de só ser possível responsabilizar civilmente o informante de um crime à autoridade policial se tiver agido com dolo, má-fé, propósito de prejudicar, ou ainda se a comunicação for absolutamente infundada, leviana e irresponsável.

E assim é porque o direito e o ilícito são antíteses absolutas – um exclui o outro: onde há ilícito não há direito; onde há o direito não pode existir ilícito.

 

 

                        Na lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PERERIA, in Forense, 1989, p. 216, a responsabilização do ofensor:

 

 

Ao desenvolver o tema do “abuso de direito” já me referi ao assunto, para assentar que o individuo, no exercício de seu direito, deve conter-se no âmbito da razoabilidade. Se o excede e, embora exercendo-o, causa um mal desnecessário ou injusto, equiparo o seu comportamento ao ilícito e, ao invés de excludente de responsabilidade, incide no dever ressarcitório.

                      

                        Nem convence que tudo passou de mero aborrecimento, quando o estado emocional dos autores demonstra o contrário.

 

                        Da avaliação do agir dos autores, via mãe e vó, recolho elementos que dão pela culpa concorrente.

 

                        É perfeitamente perceptível que numa situação de conflito e confusão generalizada, a capacidade de reação de cada pessoa é diferente e inusitada. Muito  mais fácil é emitir opinião depois do fato acontecido e quando não se o vivenciou, no caso o evento noticiado nos autos.

 

                        Atribuível, tranquilamente, da imensa cooperação da mãe das crianças em potencializar o dano moral sofrido pelos seus filhos, quiça pelo inusitado do fato e novidade em sua vida.

 

                        Tarsila Crusis, quando depos, descreveu a cena (fls. 145):

 

 

J: Disse ser mãe dos autores. Não presta compromisso. Esse fato como começou, como a senhora conseguiu sair de casa com seus filhos, o que ocorreu? D: No dia nós sabíamos que estava planejada uma manifestação em frente ao Palácio Piratini no meio de toda uma situação política que vinha se desenrolando há muito tempo. Eu moro na rua Araruama, na casa da minha mãe com meus filhos e naquele dia nós estávamos tomando café da manhã, às sete horas da manhã quando soubemos que estava chegando uma turma, alguns ônibus na frente da residência. Imediatamente a gente começou a ouvir gritos, apitos e batidas e os meus filhos, que estavam comigo e com a minha mãe, ficaram muito assustados e começaram a perguntar o que estava acontecendo, quem estava vindo na frente da casa e muito assustados perguntavam o que eles vieram fazer aqui, se eles iam invadir a casa, se iam bater na gente, se eles iam apanhar daquelas pessoas. Eles começaram a chorar e eles entraram numa crise de ansiedade imediatamente. Como nós fomos pegos desprevenidos e acho, cabe a mim pensar que a intenção da manifestação às 07h10min da manhã num bairro residencial fosse nos pegar desprevenidos, a gente se viu numa situação de muita vulnerabilidade com as crianças em pânico, sem proteção na frente da casa,  sem a sensação de segurança, era o penúltimo dia de aula do primeiro semestre do ano passado, o meu filho mais velho tinha prova e o menor tinha aula e dentro daquela situação de ansiedade a gente viu a frente da casa tomada por manifestantes e quando eles nos viram, nós fizemos a tentativa de sair de casa, só que como a frente estava tomada os portões não podiam ser abertos sob o risco de ter uma invasão na casa nós aguardamos lá e tentamos chegar a um entendimento, mas não houve nenhuma pessoa que tivesse se colocado como interlocutor para no tranquilizar, para nos assegurar que as crianças sairiam de casa. Nós estamos acionando tanto o CPERS como a senhora Rejane que estava presente.

                       

 

                        A escolho, por evidente, talvez fruto pela pressão emocional do momento, mostrou-se equivocada e desamparada de qualquer orientação do serviço de segurança a disposição da Excelentíssima Senhora Governadora, a qual também contribuiu de forma substancial para o desiterato.

 

                        Da leitura do depoimento do motorista Lucas Alves da Costa, retira-se a convicção que a prematura saída das crianças para a escola, o que se mostrou sem resultado prático no  plano educacional (não se submeteram a qualquer avaliação e obtiverem aprovação), reafirmou da intimidação havida pelo  movimento político, quando ultrapassaram as alas formadas!

 

                        Enfim, demonstrado a manifesta participação dos familiares dos autores e do movimento político que motiva o dano moral aos autores, cuja culpa deverá ser repartida.

 

                        Na fixação do dano moral, além de sua configuração, o parecer da ilustre Promotora de Justiça, Dra. MARIA IVONETE ANDRADE, pertinente a prova disto, o que deixo de transcrever para evitar tautologia, mas acolho como razões de decidir (fls. 198/204).

 

                        A  divergencia é em relação ao valor da indenização atribuída pela digna Promotora de Justiça, em 15 salários mínimos para cada autor, pois entendo que é soma insuficiente para tamanha falta de sensibilidade do sindicato dos professores que olvidaram dos princípios básicos de seu mister, o que poderá ser comparado e copiado em relação a conduta profissional das professoras Rosa Maria Noronha de Freitas e Margareth Galant que mantinham contato com os requerentes e demonstram plena compreensão de suas atribuições de educadoras, o que e elogiável.

 

                        Com efeito, fixo o dano moral para cada criança na soma de equivalente a 20 salários mínimos (R$ 10.200,00), quando deveria ser de 40 salários mínimos (R$ 20.400,00), mas reconhecida a culpa concorrente reduzo para metade (20 salários mínimos).

 

                        Pondero e explico que não foram considerados, a fim de fixação de dano moral aos autores, alguns fatos alegados na inicial, ou seja, a simples manifestação política defronte do imóvel, as palavras de ordem contra a Excelentíssima Senhora Governadora, uso de outdoors e imagens durante o ato, quando isso é decorrente de agir de parente e da honra desta, além de residirem em imóvel que serve de morada para agente político. Excluo, também, os aborrecimentos praticados por demais colegas de escola, uma vez que fato de terceiros e não do CPER. Logo, o dano é decorrente, exclusivamente, da imensa e desnecessária  intimidação do CPERS no momento que ultrapassavam as alas formadas defronte da casa da Excelentíssima Senhora Governadora.

 

                        Por último, o que poderá ser considerado por dispensável e inoportuna manifestação deste julgador, toda essa confusão poderia ter sido solvida por um simples pedido de desculpas, ou reconhecimento de equívoco de avaliação do agir dos envolvidos. 

 

                        Há imensa distancia entre desejo e realidade; e o que se tem nos autos é a realidade pura e simples ao que se adita a circunstancia dos seres humanos (o que me incluo) que é da imensa  contradição de seus atos e pensamentos!

 

                        Assim, diante da necessidade de intervenção do Judiciário, fico com a advertencia de  NORBERTO BOBBIO, in Elogio da Serenidade, Editora Unesp, 2002, p. 97:

 

 

“... a distinção entre moral e política corresponde quase sempre à distinção entre ética dos princípios e ética dos resultados: o homem moral age e avalia as ações alheias com base na ética dos princípios, o político age e avalia as ações alheias com base na ética dos resultados. O moralista se pergunta: “Que princípios devo observar?”. O político: “Que conseqüências decorrem da minha ação?”.”

 

 

                        PELO EXPOSTO, julgo procedente, em parte o pedido, para condenar o CPERS, na forma do artigo 186 do Código Civil brasileiro, a título de dano moral, na soma de R$ 10.200,00 para cada autor respectivamente, cuja soma total é de R$ 20.400,00, devidamente corrigido pela variação do IGP-M, a contar desta decisão, além de juros de mora a partir da citação.

 

                        Julgo improcedente o pedido formulado contra Rejane da Silva Oliveira, na forma da fundamentação acima aduzida.

 

                        Condeno o CPER em custas, exceto as despesas de citação, ou condução de Rejane da Silva Oliveira que é encargos dos autores.

 

                        Condeno o CPER em honorários advocatícios, em favor do patrono dos autores, os quais fixo em 20% do valor de condenação, uma vez que levo em consideração a natureza da lide, atividade profissional desenvolvida, dedicação à causa, certa complexidade de fatos, extensão da prova e proveito que adveio, na forma do artigo 20 do Código de Processo Civil.

 

                        Condeno os autores em honorários advocatícios relativamente aos patronos de Rejane da Silva de Oliveira, os quais arbitro em R$ 1.500,00 devidamente corrigido pela variação do IGP-M e juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir do transito em julgado, com as mesmas variantes aludidas anteriormente ao patrono dos requerentes, na forma do artigo 20 do Código de Processo Civil.

 

                        Intimem-se.

 

                        Porto Alegre, 28 de abril de 2010.

 

 

                        Eduardo João Lima Costa

                                 Juiz de Direito