CAPÍTULO 24

Yeda Crusius usa a espada de Samurai presenteada pela Record e condena as mentiras de Veja nos Tribunais

 

 

 

 

 

 

Mesmo antes da extraordinária repercussão das pesadas acusações e denúncias sem provas feitas no dia 19 de fevereiro de 2009 pela Deputada Luciana Genro, filha do Ministro da Justiça e candidato do PT na disputa pelo Piratini, o Governo, o PSDB e a própria Governadora não tinham se dado conta do objetivo final do Eixo do Mal, que era derrubar Yeda Crusius e desmoralizar o projeto do PSDB no Estado, impedindo-o de formar um duradouro tripé: São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul.

 

Mas ainda faltava fechar o cerco com o apoio da mídia nacional, para completar o assédio e fechar as tenazes do garrote vil.

 

A imprensa do Rio Grande do Sul estava subordinada há mais tempo aos interesses do PT, RBS no comando, cada vez mais dependente das concessões federais de rádio e TV, dos cofres do BNDES e das verbas publicitárias do Planalto. Do outro lado do riacho Ipiranga, muito menos poderosa, mas ainda assim capaz de estabelecer algum contraponto, posicionou-se a Cia. Jornalística Caldas Júnior. Fez isto na undécima hora. A Rede Record, controladora do jornal Correio do Povo, Rádio Guaíba e TV Record, ficou ao lado de Yeda Crusius quando percebeu que o alinhamento incondicional que vinha fazendo aos ditames da RBS, retirava-lhe credibilidade e mercado. Isto aconteceu depois que a Record mandou para o Estado um dos seus melhores quadros, Natal Furucho, no dia 3 de agosto de 2009. Sua visita de apresentação a Yeda Crusius foi simbólica: ele presenteou-a com uma espada de Samurai, “para se defender dos inimigos”. No dia 11 de novembro de 2011, dois anos e tres meses depois, terminadas as eleições e vitorioso Tarso Genro, do PT, a Record tirou Natal Furucho de Porto Alegre. O primeiro editorial do novo CEO foi um ataque grosseiro contra o Governo do PSDB.

 

A RBS e a Cia. Caldas Júnior eram e ainda são as duas grandes forças da mídia.

 

Os demais jornais, rádios e TVs, não fizeram parte do jogo político. Excessivamente cautelosos os mais fortes, inexpressivos os mais fracos, eles exerceram um papel ainda menor do que o das redes sociais, que se mostraram extraordinariamente mais atrevidos e combativos, inúmeras vezes revelando informações ocultas e até mesmo pautando a mídia e o próprio jogo político no Estado.

 

Num cenário midiático local onde o Governo ainda conseguia resistir, a entrada em cena de um grande jornal, revista ou TV de expressão nacional ao lado do Eixo do Mal, poderia entornar o caldo de uma vez. Isto sempre foi temida pelo Governo.

 

Os adversários de Yeda Crusius abriram 2009 com o convencimento de que tinha chegado a hora de botar todas as tropas na batalha principal e decidir a guerra. Eles deram prioridade e trabalharam com insistência o apoio da revista Veja, depois das denúncias e acusações feitas pelo PSOL em fevereiro, porque conheciam a combatividade da revista e sua imensa credibilidade.

A cada quinta-feira, os boatos de que Veja viria com uma “bomba” contra o Piratini, enchiam de nervosa expectativa as redações, os gabinetes dos Deputados e sobretudo as ante-salas do Governo, Ministério Público Federal, Polícia Federal e Partidos, colocando em sobressalto todo o Estado, já aturdido pela sequência de golpes políticos, judiciais, policiais e midiáticos desfechados diariamente contra o Piratini.

 

O Eixo do Mal torcia por uma capa devastadora, com reportagem recheada de denúncias e acusações indesmentíveis.

 

Se Veja conseguia derrubar Ministros com uma única matéria bem fundamentada, por que a revista não conseguiria fazer o mesmo com a Governadora do Rio Grande do Sul ? RBS com seus jornais, rádios e TVs, mais a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, os Deputados do PT e dos Partidos satélites, em conjunto com o Vice-Governador Paulo Feijó e DEM, CUT e Cpers, esperavam apenas por isto para propor novo impeachment contra Yeda Crusius e instalar uma derradeira CPI da Corrupção, ainda mais que em 2009 a Presidência da Assembléia estava com o PT. Ali estava alojado desde janeiro o mais fiel dos fiéis escudeiros do Partido dos Trabalhadores, o Deputado Ivar Pavan.

 

Ninguém se atreveria a ficar contra as evidências de Veja, que seriam replicadas até a exasperação completa da população do Estado.

 

Na verdade, bastaria que Veja confirmasse o que vinha sendo repetido com variações sobre o mesmo tema, ainda que sem provas e nem testemunhas.

 

A oportunidade chegou no dia 7 de abril de 2009, quando desembarcou em Porto Alegre o dono da Abril, portanto de Veja, Roberto Civita. Foi uma visita rápida. O chefe do clã dos Civita, viajou ao Estado para receber homenagem do XXII Fórum da Liberdade, evento criado e sustentado pelo Instituto Liberal, mais tarde intitulado Instituto Millenium, que sempre teve o comando dos herdeiros dos mais ricos industriais do Rio Grande do Sul, diretamente ou através de seus amigos e advogados. Até ali, um dos principais oráculos da gurizada era o Vice-Governador Paulo Feijó, que nas presidências da Agas, Abras e Federasul, notabilizou-se pela firmeza com que defendeu os ideais liberais de democracia e economia. Paulo Feijó somente foi expurgado da lista de notáveis do Instituto Liberal a partir do segundo semestre de 2009, quando ele relacionou publicamente uma dúzia de amigos empresários com a prática de crimes eleitorais.

 

Naquele dia 7 de abril, o Vice-Governador Paulo Feijó, seus amigos do Instituto Liberal e os pais influentes de todos eles, alcançaram dossiês pavorosos contra Yeda Crusius e o Governo do PSDB no Rio Grande do Sul. Os dossiês apenas compilaram com sabor de escândalo, as denúncias e acusações falsas, sem provas materiais e sem testemunhas, que a cada momento surgiam à tona, numa sempre requentada variação sobre o mesmo tema, mas para Roberto Civita tudo isto era uma grande novidade. Ele ficou particularmente impressionado com os CDs dos áudios de gravações montadas pelo lobista Lair Ferst para suas conversas com Marcelo Cavalcante.  A RBS, parceira da Abril em empreendimentos de todo gênero, avalizou tudo. As famílias Civita e Sirotsky são velhos comensais dos mesmos jantares no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. RBS e Abril são irmãos siameses na Associação Nacional dos Jornais. Diante do depoimento dos seus amigos empresários e da verificação do ambiente político deteriorado do Estado, o chefão dos Civita mandou seus cães de guerra para a batalha.

 

A própria revista confessou na reportagem assinada por Igor Paulim no dia 13 de maio, que “a reportagem de Veja teve acesso a esses áudios há quarenta dias”. É só fazer as contas.

 

Tinha chegado a hora de Veja entrar na dança.

 

A revista assumiu todas as acusações e denúncias que foram urdidas pelo lobista Lair Ferst e pelo Vice-Governador Paulo Feijó, eixos de todas malfeitorias redesenhadas com variações desde a CPI do Detran, desfechada no dia 8 de novembro de 2007, logo ao final do primeiro ano de Governo.

 

No dia 13 de maio de 2009, foi publicada a primeira reportagem. “O Caixa dois do caixa dois”, anunciou Veja em três densas páginas, com direito a fotos para a recém eleita musa do Eixo do Mal, a companheira de Marcelo Cavalcante, Magda Koenigkan; o próprio Marcelo, que a estas alturas já estava morto e enterrado; o lobista Lair Ferst e a Governadora Yeda Crusius. Faltava apenas o fotão do Vice-Governador Paulo Feijó, mas isto acabou  materializando-se na reportagem seguinte, publicada na sexta-feira subsequente, dia 20 de maio de 2009, sob o título “Caixa um no caixa dois”.

 

Foi um dia de festa e de esperança para todos os membros do Eixo do Mal, mas no Palácio Piratini a sexta-feira, 8 de maio, foi de apreensão e temor.

 

Na sua Carta ao Leitor da edição do dia 13 de maio, que circulou já no dia 8, porque a revista sempre circula antes da data de capa, quando desfechou seu primeiro cruzado de esquerda, Eurico Sabino, o Redator-Chefe, além de apresentar o repórter que mandou a Porto Alegre para produzir o material, Igor Paulim, um garotão de apenas 23 anos, também resolveu contar vantagem daquilo que chamou de “furo”, no caso a “notícia relevante e exclusiva que revelou o esquema de caixa dois na campanha da Governadora Yeda Crusius, do PSDB”. Na sua Carta ao leitor, Eurico Sabino lembrou que “o caixa dois para campanhas eleitorais é uma das maiores fontes de corrupção do Brasil”.

 

O que fez o garotão de Veja em Porto Alegre? Eis o que o Redator-Chefe acha que ele fez:

 - Veja contratou, formou e incentivou (Igor Paulim) com uma filosofia que o desafia e encoraja: “Vocês são pagos para saber. São pagos para descobrir”.

No dia 24 de novembro de 2011, dois anos e meio depois, Veja descobriu que mentiu quando publicou as reportagens assinadas por Igor Paulim, porque foi exatamente isto que escreveu a Juiza Claudia Thome Toni na sentença que condenou a Abril a pagar indenização de R$ 54.500,00 por dano moral causado a Yeda Crusius. A sentença encontra-se no âmbito do processo 09.109664-3, no cartório da 2ª. Vara Cível do Foro de Pinheiros, São Paulo.

 

O Redator-Chefe de Veja, Eurico Sabino, depois da exemplar sentença, poderia reformular a ordem que passou ao seu repórter Igor Paulim no início do mês de maio de 2009, aduzindo apenas duas palavras ao final de cada frase:

 

- Vocês são pagos para saber a verdade. São pagos para descobrir a verdade.

 

A Juiza Claudia Thome Toni foi direto a este ponto, ao ensinar no fecho da sentença que proferiu, sem usar meios termos:

 

“O exame dos fatos permite concluir que a ré (a revista Veja) usou de forma nociva a liberdade de expressão que lhes é garantida pela Constituição Federal, ofendendo de modo ilegal a reputação da autora, ao noticiar fato desprovido de comprovação e atribuindo a ela (Yeda Crusius) a prática de conduta cuja eventual ilegalidade e que ainda objeto de apuração conclusiva pelas autoridades competentes e constituídas”.

 

A revista teve dois anos e meio para provar tudo o que denunciou e acusou nas reportagens de 13 e 20 de maio de 2009, mas chegou ao dia 24 de novembro de 2011 sem ter conseguido acostar aos autos nada além das calúnias, injúrias e difamações elaboradas nos escritórios do lobista Lair Ferst e do Vice-Governador Paulo Feijó em 2007 e dali por diante encorpadas, aperfeiçoadas e replicadas com fervor goebbeliano pelo Eixo do Mal.

 

Nunca, antes, na história do Rio Grande do Sul, a lição do mago da comunicação nazista Joseph Goebbels foi perseguido com tanta devoção e bom resultado. É dele esta lição:

 - Uma mentira cem vezes dita, torna-se verdade.

 

No caso do PT e suas ambições hegemônicas de Poder, bem ao estilo dos fundadores do comunismo e do nazismo, como de resto de todos os regimes fascistas, o crime em si, se não for contra o regime, passa a não ser crime.

 

Yeda Crusius não processou nenhuma outra revista, jornal, rádio ou TV durante seus quatro anos de Governo, mas resolveu fazer isto com Veja para que ela representasse uma espécie de mãe de todas as ações judiciais devidas, já que as duas reportagens e a carta ao leitor, foram uma verdadeira síntese dos dossiês falsos usados pelo Eixo do Mal ao longo de todo o mandato.

 

O Advogado contratado foi José Eduardo de Alckmin, que tem banca em São Paulo. A Governadora não conhecia Alckmin, primo do Governador Geraldo Alckmin, profissional muito respeitado dentro do PSDB. Ele foi indicado por Eduardo Ferrão, que foi procurado como primeira opção, porque se tratava de um gaúcho que foi para Brasília e lá fez sucesso junto aos tribunais superiores, como dono de um escritório do qual já foram sócios os ex-Ministros Nelson Jobim e Eliseu Padilha. Ferrão e Alckmin costumam advogar em casos comuns junto aos tribunais superiores de Brasília.

 

A fim de permitir uma compreensão melhor do poderoso efeito produzido no Rio Grande do Sul pelas duas reportagens e da carta ao leitor, é preciso não apenas situá-la dentro do contexto da exacerbada luta política estadual daquele momento, atribuindo à revista, além disto, o verdadeiro peso que ela sempre teve na sociedade brasileira, como a publicação de maior coragem e credibilidade do País.

 

O repórter Igor Paulim procurou a Governadora dois dias antes da publicação. O diálogo entre os dois foi curto e grosso:

Igor A revista quer ouvi-la sobre as denúncias e acusações que publicaremos na próxima edição.

YedaEntão vocês já decidiram o que vão publicar.

Igor Sim. Só queremos a sua versão.

Yeda Se é assim, façam bom proveito do que possuem. Depois da publicação, constituirei advogado e reclamarei de tudo em Juízo.

 

As duas reportagens publicadas por Veja nos dias 13 e 20 de maio de 2009, com assinatura de Igor Paulin, vão a seguir. Elas vieram antecipadas por uma duríssima Carta ao Leitor, assinada pelo Jornalista Roberto Sabino.

 

O CAIXA DOIS DO CAIXA DOIS

Gravações e um depoimento da empresária Magda Koenigkan lançam uma nova sombra sobre o governo Yeda Crusius

Igor Paulin

 

A governadora gaúcha Yeda Crusius, do PSDB, não tem sossego. Enfrenta acusações de ter usado caixa dois em sua campanha eleitoral desde antes de tomar posse, em janeiro de 2007. Fato espantoso, as primeiras denúncias partiram de seu vice, Paulo Feijó. Como se não bastasse, no mesmo ano, a Polícia Federal desbaratou uma máfia que desviava recursos do Detran gaúcho. Os escândalos ceifaram três secretários de governo e o chefe da representação do Rio Grande do Sul em Brasília, Marcelo Cavalcante. Em seguida, a governadora foi obrigada a explicar onde arranjou dinheiro para comprar, no fim de 2006, uma casa em um bairro nobre de Porto Alegre. O caso, que lhe rendeu um pedido de impeachment, acabou arquivado pelos promotores gaúchos. Em fevereiro passado, a morte repentina de Marcelo Cavalcante injetou uma dose de tragédia nas agruras do governo tucano. O corpo do ex-assessor foi encontrado boiando no Lago Paranoá, em Brasília. As investigações policiais indicam que ele se suicidou. Assessor de Yeda entre 2002 e 2006 e coordenador de sua campanha eleitoral, Marcelo conhecia o PSDB gaúcho na intimidade. Com seu desaparecimento, parecia ter se perdido uma das mais acuradas memórias da campanha e dos primeiros dias do governo Yeda.

 

Era uma presunção falsa. Na mesma semana da morte de Marcelo, descobriu-se que os procuradores federais dispunham de gravações nas quais o ex-assessor relatava irregularidades na campanha e na gestão da tucana. VEJA teve acesso a parte desses áudios. A reportagem ouviu uma hora e meia das dez horas de diálogos mantidos entre Marcelo e o empresário Lair Ferst, um dos acusados de participar dos desvios no Detran gaúcho. Neles, fica claro que o ex-assessor conversava com liberdade com Ferst, que o ajudara a arrecadar dinheiro para a campanha tucana. Nos trechos analisados por VEJA, há três fatos que merecem ser investigados.

 

De acordo com Marcelo, Yeda recebeu dinheiro no caixa dois depois que a eleição terminou. Ele conta que, após o segundo turno, coletou 200 000 reais da Alliance One e outros 200 000 reais da CTA-Continental. São duas fabricantes de cigarros que, segundo Marcelo, fizeram as doações em espécie. O ex-assessor diz que entregou esse dinheiro a Carlos Crusius, marido da governadora. Procurados por VEJA, os executivos da Alliance One negaram ter abastecido qualquer caixa dois e mostraram um recibo que comprova a transferência bancária de 200 000 reais para o diretório estadual do PSDB. Já a CTA-Continental contesta ter feito qualquer doação à tucana. "Se me perguntar se me pediram dinheiro, direi que sim. Mas não levaram", diz Allan Kardec Bichinho, presidente da empresa.

 

Marcelo afirma que algumas despesas do comitê eleitoral de Yeda foram custeadas pela agência de publicidade DCS, que não prestava serviços à campanha nem fez doações oficiais. Segundo o ex-assessor, a DCS pagou, por exemplo, suas passagens aéreas e diárias no flat Swan Molinos, em Porto Alegre. Após a eleição, arcou com recepções oferecidas por Yeda em sua casa. Depois que ela tomou posse, a agência continuou quitando as passagens e diárias de Marcelo. Yeda renovou os contratos que o Banrisul mantinha com a DCS. A VEJA, a agência negou ter pago essas contas.

 

O ex-assessor diz que avisou Yeda sobre o esquema de corrupção no Detran gaúcho e conta ter entregado à governadora uma carta de oito páginas na qual o empresário Lair Ferst descrevia o modo como os recursos eram desviados da repartição. Ferst escreveu essa carta para tentar livrar-se da suspeita de envolvimento no esquema.

 

A reportagem de VEJA teve acesso a esses áudios há quarenta dias. Só os divulga agora depois de ter encontrado uma fonte com credenciais suficientes para comprovar sua autenticidade. Ela é uma testemunha que também ouviu as gravações e assegura que Marcelo reconhecia como legítimo o seu conteúdo. Mais: o ex-assessor relatou-lhe os mesmos fatos. Essa testemunha, Magda Cunha Koenigkan, foi companheira de Marcelo. Dona de uma revista brasiliense, a Sras&Srs,ela relutou em revelar o que sabia. Temia perder o apoio financeiro para sua revista por parte de governos aliados de Yeda. Magda diz que decidiu correr esse risco em nome da memória do homem com quem viveu por quinze meses. Em cinco horas e meia de entrevista a VEJA, contou que Marcelo soube da existência dos áudios, gravados por Lair Ferst, em novembro de 2007. "Lair mostrou as gravações e disse que as entregaria às autoridades para provar que os responsáveis pelos desvios no Detran eram integrantes do governo Yeda, e não ele", lembra Magda. Ao ouvir isso, seu companheiro se desesperou: "Entrou em depressão e passou a beber".

 

De acordo com ela, Marcelo parecia ter reencontrado o equilíbrio em janeiro deste ano, quando aceitou confirmar o conteúdo das gravações aos procuradores federais que apuram o episódio. Chegou a marcar uma data para seu depoimento, mas morreu duas semanas antes da audiência. As declarações de Magda, segundo ela ouvidas diretamente de Marcelo, são desastrosas para o governo tucano do Rio Grande do Sul. Elas mostram uso de caixa dois e desvio de recursos eleitorais para aumento de patrimônio pessoal. A presente reportagem revela que os áudios existem e que Magda Koenigkan diz ter ouvido do namorado o atestado de sua legitimidade. Mas os áudios não são provas processuais e, a VEJA, Yeda afirmou desconfiar de sua autenticidade. O PT já coletou catorze das dezenove assinaturas necessárias para constituir uma CPI na Assembleia Legislativa com o objetivo de investigar essas suspeitas. Só a CPI e as demais autoridades podem decidir se as gravações são evidência legal dos desvios ali narrados.

"Se sair na mídia, não vai ser bom"

A empresária Magda Koenigkan viveu quinze meses, a partir do fim de 2007, com Marcelo Cavalcante, coordenador de campanha de Yeda Crusius, encontrado morto em fevereiro passado. Ela relatou a VEJA as confidências que seu companheiro lhe fez sobre irregularidades que teriam sido cometidas em nome da governadora gaúcha

Como era a relação de Marcelo Cavalcante com Yeda Crusius?

Era assim: na campanha ela ligava para ele a todo instante e pedia: "Marcelinho, precisamos arranjar 10 000 reais para isso e aquilo". E ele arranjava.

Era ele, então, quem coletava doações?

Se havia um dinheiro para receber, Marcelo pegava e entregava a Carlos Crusius (marido da governadora). No começo (da campanha),tinha de convencer as pessoas a colaborar. Quando Yeda começou a subir nas pesquisas, ficou mais fácil. Vinham 200 000 reais dali, 100 000 de lá. Só que esse dinheiro não entrava para o caixa.Ia para onde?

Olha, entre o fim do segundo turno eleitoral e a semana posterior à eleição, Marcelo recebeu 400 000 reais de dois fabricantes de cigarro, 200 000 de cada um. Ambos pediram para que a verba não fosse entregue oficialmente. Então, foi para o caixa dois.

Marcelo falava em caixa dois?

Até do caixa dois do caixa dois. Marcelo deu os 400 000 reais a Carlos Crusius no comitê da campanha. Crusius agradeceu e foi para uma sala mais reservada, enquanto Marcelo conversava com fornecedores que esperavam para receber o dinheiro que lhes deviam. Aí, Crusius apareceu e disse: "Quero me desculpar. Não conseguimos o dinheiro. Vamos precisar de mais um prazo. Espero sua compreensão".

Como Marcelo reagiu?

Foi tirar satisfações com Crusius. Ele sempre me repetia essa história. Contava que disse a Crusius: "Como não tem dinheiro? Entreguei na sua mão". Marcelo acreditava que Crusius escondia tudo da governadora. Mas ela justificou a história. Chegou e disse: "Marcelinho, Crusius quer pagar uma dívida antiga nossa que está apertando a gente e, se sair na mídia, não vai ser bom". Marcelo se indagava sobre que dívida era aquela. Ele, que cuidava das finanças dela, não conhecia essa dívida.

O que foi feito dos 400 000 reais?

Passado algum tempo, Crusius finalizou a compra de uma casa. Pelo que o Marcelo contava, usou os 400 000 reais nisso.

A casa da governadora?

É. O Marcelo falava que o pai de um dos secretários da governadora simulou ter comprado um apartamento dela na praia. Teria sido uma venda forjada para mostrar que ela tinha renda para comprar a casa. Contou também que a casa custou cerca de 1 milhão de reais, talvez mais. Mas esses 400 000 foram entregues por baixo do pano (ao vendedor).

Marcelo relatou-lhe outras irregularidades?

Sim. Quem pagava as passagens aéreas e hospedagem para o Marcelo e a equipe da campanha de Yeda? O caixa dois. Marcelo se hospedava no hotel Swan Molinos (em Porto Alegre). Quem pagava era uma agência de publicidade, a DCS. Arcava também com os jantares que a governadora fez antes e depois da eleição.

Houve irregularidades antes da campanha eleitoral?

Marcelo contou que, quando ela era deputada, todo mês entravam cerca de 10 000 reais de um sindicato (Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Sicepot). O dinheiro ia diretamente para a governadora. Quem pegava era uma mulher contratada pelo Marcelo, Walna Vilarins (atual coordenadora de ações administrativas do governo gaúcho).

Por que Marcelo participou do governo Yeda, mesmo sabendo desses fatos?

Houve um momento em que ele mudou. Em novembro do ano passado, chegou ao conhecimento dele que havia áudios em que ele falava sobre as doações de campanha, como funcionava o pagamento da hospedagem da equipe e a compra da casa. Marcelo ficou muito angustiado e apreensivo.

Quem gravou esses áudios?

Outro integrante da campanha de Yeda, Lair Ferst. Ele ajudou Marcelo a arrecadar dinheiro. Entre 2006 e 2007, eles se encontraram diversas vezes. Em novembro, Lair contou a Marcelo que tinha gravado todos esses diálogos e que ia entregá-los à Justiça.

Marcelo avisou o governo Yeda?

Sim. Sugeriu que fizessem um acordo com Lair. Disse que havia muitos indícios do caixa dois e que Lair tinha ido com ele pegar dinheiro em empresas que não aparecem em lugar nenhum na receita declarada de campanha.

A senhora ouviu as gravações?

Ouvi. São conversas em barzinhos. Em janeiro, Marcelo foi procurado pela Justiça para confirmar se a voz nas gravações era dele e se tudo aquilo que ele dizia nelas era verdade. Estava com depoimento marcado entre a semana do Carnaval e a seguinte, mas morreu antes disso...

Marcelo lhe disse que iria confirmar que a voz das gravações era dele?

Sim.

 

Ao condenar Veja por esta reportagem, a Juíza Claudia Thome Toni poderia resumir toda a sentença nestes três parágrafos da sua decisão:

 

“No caso dos autos, a ré pecou quando permitiu a publicação destas matérias, ainda que, como já dito, ela também tenha publicado a notícia do arquivamento do expediente SPU número PR0001.02218/2008-6, instaurado pelo Ministério Público Federal a pedido de alguns Deputados Estaduais, em razão da falta de provas do envolvimento da autora nos fatos relatados na inicial.

O ofício encaminhado pela Procuradoria Geral da República (fls. 559/634) nos demonstra que o expediente acima citado foi arquivado em 1º de dezembro de 2008, informação esta realmente divulgada pela revista Veja como se verifica pela reportagem que consta a fl. 76 dos autos, datada de março de 2009.

Essa informação que, na verdade, era muito relevante, pois o Parquet não verificou indícios da prática de crime pela autora, foi sugerida na reportagem como algo desabonador, sem que se desse a efetiva relevância quanto aos motivos que determinaram o arquivamento, portanto à inexistência de provas suficientes para sustentar a continuidade da investigação”.

 

O expediente de que trata a Juíza Claudia Thome Toni na sua sentença, foi enviado ao Procurador Geral da República, Antonio Barros e Silva pelo Procurador-Chefe do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, Antonio Welter, no dia 22 de janeiro de 2009.Trata-se de um ofício em que os Procuradores Alexandre Schneider e Enrico Rodrigues de Freitas pedem “providências cabíveis na seara criminal” contra a Governadora Yeda Crusius, baseadas nas denúncias que ambos tinham recebido dias antes do lobista Lair Ferst, cumprindo missão que lhes passaram os próprios Procuradores, no âmbito da delação premiada autorizada em Santa Maria pela Juíza Barbisan Fortes. No depoimento que prestou na 1ª. Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, no dia 2 de junho de 2011, muitos meses depois que representou contra os réus da Operação Rodin, o Procurador Alexandre Schneider reconheceu a delação premiada, ao admitir “depoimento que a gente colheu do Sr. Lair Ferst”. O material enviado ao Procurador Geral da República, altamente sigiloso, foi recolhido nesse “depoimento”.

 

Yeda Crusius representou contra o Procurador e seus cinco colegas que a denunciaram temerariamente por improbidade administrativa, junto ao Conselho Nacional do Ministério Público, mas o caso foi arquivado porque prescreveu. Alexandre Schneider chegou a falar sobre o assunto no depoimento que fez em Bento Gonçalves, referiu-se ao arquivamento da representação, mas não esclareceu que isto só ocorreu porque os conselheiros admitiram a prescrição. A Justiça Federal excluiu Yeda Crusius do processo.

 

Acontece que a sentença de nove laudas vai muito além, uma vez que a Juiza Claudia Thome Toni resolveu desconstruir cada uma das acusações e denúncias levantadas no Rio Grande do Sul pelas forças do Eixo do Mal e sintetizadas nas duas reportagens e na Carta ao Leitor de Veja.

 

A revista não conseguiu provar materialmente nada do que escreveu e além disto as testemunhas que apresentou ofereceram depoimentos que comprometeram gravemente a credibilidade do repórter Igor Pruni e de Veja.

 

O grande trunfo das reportagens, no caso uma entrevista comprometedora, a única publicada com destaque na edição do dia 13 de maio, concedida pela última companheira de Marcelo Cavalcante, Magda Koenigkan, foi completamente desmentida em Juízo. Ela negou perante o Juiz Mário José de Assis Pegado,titular da 1ª. Vara de Precatórios do Distrito Federal e Territórios, que a ouviu por rogatória em Brasília, todo o teor da entrevista. A Juiza Claudia Thome Toni refere-se deste modo ao incidente:

 

“A depoente confirmou que deu entrevista aos repórteres da ré, mas que se limitou a reconhecer a voz de Marcelo nos trechos que podia identificá-la, sem fornecer mais dados a respeito do caso. Acrescentou que nada relatou sobre as investigações, confirmando aos repórteres apenas os fatos notórios que já estavam sendo investigados pelos membros do Ministério Público, portanto, a suspeita de caixa dois e as suspeitas levantadas em razão da compra de uma casa pela autora (fls. 682/683)”.

 

Ao depor no dia 29 de abril de 2010, quando os primeiros e mais dramáticos efeitos políticos da morte do companheiro já tinham se dissipado, Magda Koenigkan foi lacônica, mas incisiva:

 

“... que ao ouvir a gravação apresentada pelos repórteres não falou exatamente nada, não acrescentando nada, apenas concordando com os fatos, sem entrar em detalhes (...) que a entrevista foi redigida de forma livre, não sendo as palavras exatamente utilizadas pela depoente, que reconhece na gravação as palavras ditas por Marcelo como:caixa 2, agências, sindicatos;  que não se recorda de nenhuma parte da matéria que tenha acrescentado fatos à gravação”.

 

Intimado pela Juiza Claudia Thome Toni a apresentar a gravação da entrevista feita com Magda Koenigkhan, uma única testemunha sobre a conversa ou pelo menos algum e-mail capaz de comprovar a conexão entre o que ela teria dito e o que foi publicado, Veja não conseguiu apresentar nenhuma das três provas, embora tivesse dois anos e meio para fazer isto.

 

Veja foi irresponsável.

 

A Juiza Claudia Thome Toni ficou espantada com a “falta de cautela da ré”. Ela ouviu o Jornalista Igor Paulin. Sobre o interrogatório desta testemunha, a Juíza registrou na sua sentença a seguinte avaliação:

 

“A falta de cautela da ré impede que possamos concluir pela veracidade dos relatos da depoente na ocasião, o que torna ainda mais subsistente a alegação da autora quanto á repercussão negativa das notícias em tela.

A omissão da ré quanto às providências que lhe cabiam para confirmar a credibilidade da reportagem está corroborada nos autos pelo depoimento do jornalista responsável pela matéria, a testemunha Igor Paulim da Silva.

O depoente relatou que obteve gravações que continham os relatos de Marcelo Cavalcante de fonte que não podia ser declarada e, por isso, foi á procura da testemunha Magda, viúva de Marcelo, para se certificar de que era dele a voz que ali se ouvia.

(...)

No entanto, como já foi dito, a referida testemunha não confirmou em juízo que realmente concedeu á ré os detalhes divulgados na reportagem, por isso agora não se pode sustentar que a ré cumpriu o seu compromisso com a verdade que lhe foi dita”.