"Se sair com impeachment, não vai ter sossego"

Por Flavia Lima e Catherine Vieira | De São Paulo

 

 Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp: "A ideia de ajuste é algo maníaco no sentido psicanalítico do termo"

 

Dada a forte intensidade, essa pode ser a pior crise econômica pela qual já passou Luiz Gonzaga Belluzzo. Para o economista, o grande problema é que a presidente Dilma Rousseff "comprou" e "botou para funcionar" o programa de seu adversário e agora colhe os resultados. Olhando os dados com muito cuidado, diz o professor da Unicamp e sócio da Una Consultoria Econômica, a economia vinha desacelerando desde 2012 ou 2013, mas nada se mostrava tão "trágico". "Quando ela adotou o programa adversário, jogou o país na depressão".

A comparação que faz é com um pugilista que apanhou bastante no primeiro round e, meio grogue, leva um murro do treinador para ser reanimado - mas, obviamente, acaba desmaiando. "Foi o que aconteceu com a economia. Ou alguém acreditou nessa história de que iria recuperar a confiança com choque de juros e a promessa de corte nos investimentos?", questiona.

 

Sem ignorar que essa é a crença de boa parte do mercado financeiro e também do governo, representado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, Belluzzo diz que essa é a parte "incrível dessa história toda". "A presidente está executando o programa de seus opositores e os opositores estão dizendo que ela está causando a crise".

 

Segundo Belluzzo, a previsão de queda de quase 30% do investimento em dois anos (neste e no próximo ano) é uma resposta dos empresários à mensagem dada pelo governo - a partir da adoção do programa adversário - de que pioraria as condições de crédito e desaceleraria a economia, ao dar um choque poderoso nos juros. "O governo jogou as expectativas no ralo e os caras responderam", explica o economista que se incomoda com a ideia de que o ajuste precisa ser feito a qualquer custo. "Como assim, 'é preciso' fazer ajuste?", diz ao ressaltar que o déficit nominal de 3% de 2013 deve passar de 10% neste ano. "A ideia de ajuste é algo maníaco no sentido psicanalítico do termo".

 

Que ninguém, contudo, se engane com as críticas. Belluzzo diz achar "péssimo esse negócio de impeachment", um instrumento que serve para responder a alguma situação grave e emergencial, mas corre o risco de ser banalizado em circunstâncias que hoje diferem muito do início da década de 90. "Toda hora que não gosta do cara, você tira? Muda a regra, então", diz ele, para logo depois ressaltar que recursos como o 'recall' -a possibilidade de o povo cassar o mandato do seu representante quando este se mostrar insensível à causa pública - talvez não fosse bom para a estabilidade da sociedade e da economia.

 

"Se ela sair com impeachment, isso aqui não vai ter sossego", avisa, sem esquecer que o Partido dos Trabalhadores (PT), quando estava na oposição, também fez uso do instrumento. Belluzzo chega a condenar a posição de alguns economistas que se dizem a favor da medida. "O que me preocupa muito nos economistas cada vez mais é essa visão tecnocrata, como se a sociedade não existisse", afirma.

 

Questionado se uma boa parte da opinião pública não pensaria da mesma forma, ele reconhece que a ideia é chancelada por uma parcela da sociedade que, no caso de algumas regiões do Brasil, não seria desprezível. "As redes sociais tiveram o dom de destampar o que estava abafado. E não são os ricos que fazem isso, mas os bem remediados, que querem se diferenciar. Eles acham que isso vai dar certo. Não vai", avisa.

 

Para Belluzzo, no entanto, esse seria um sintoma de uma fissura social que se agravou nos últimos anos, cuja face mais conhecida é a não aceitação do diferente. "O individualismo liberal, que é uma coisa boa, foi de tal maneira avacalhado que as pessoas acham que venceram pelos seus próprios méritos. Sendo que se você fizer uma introspecção, sabe que não foi bem assim, que dependeu de muita gente e seu ponto de partida foi diferente."

 

Para Belluzzo, a questão em jogo é muito simples: o respeito à normalidade democrática. "Quando vejo uma carta enviada pelo vice-presidente da República, depois de quatros anos de convivência, dizer que, na verdade, não é ouvido", diz em referência ao manuscrito endereçado por Michel Temer à presidente na semana passada. "É algo esdrúxulo e fora de propósito. E quem conhece um pouco a história do século XX sabe que esses chiliques institucionais, não terminam muito bem", diz.

 

O que mais inquieta o economista atualmente é o desrespeito dos poderes da República às suas competências e funções. Uma das preocupações, diz, seria certa "malemolência" de juízes com relação aos ritos e normas compatíveis com a normalidade democrática.

"Existem algumas ações um pouco midiáticas que acabam se traduzindo em transgressões das regras de comportamento que seriam normais", diz. "Por isso digo que é uma ilusão achar que estamos em um ambiente em que as instituições estão funcionando. Não estão. E isso é agravado por uma situação econômica muito grave".

 

Para ele, aparecem pouco no debate os riscos de se ter uma crise sistêmica no segmento bancário. Isso porque as "grandes empresas, as fornecedoras das grandes e as fornecedoras das fornecedoras" estariam com problemas de liquidez. Para ele, uma paralisia dessa monta no sistema de crédito não ajuda a tirar o país da crise e mostra que a gravidade dela é muito grande.

 

"A gente não pode esquecer que por muito menos, logo depois do Plano Real, o governo FHC foi obrigado a fazer o Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro], em razão dos efeitos que a queda brutal da inflação provocou sobre os bancos", diz.

 

Ironia da vida, Belluzzo lembra que o programa foi um dos motivos alegados por aqueles que demandaram à época o impeachment de Fernando Henrique Cardoso que, na avaliação do economista, estava "certíssimo". "Tinha que fazer o Proer mesmo. Foi ele que tornou o sistema bancário brasileiro muito sólido".

 

Entre as ameaças atuais ao sistema, Belluzzo cita, ao lado do nível de endividamento em moeda estrangeira de boa parte das empresas - que tem uma fração importante disso intermediada pelos bancos -, a dívida em moeda local das grandes companhias, que, na avaliação do economista, estaria sendo "empurrada um pouco com a barriga" antes de ser provisionada. "Isso é algo muito preocupante e está passando ao largo. E à medida que a recessão se aprofunda, a situação delas se agrava e de outras também, que não estão diretamente metidas nisso."

 

O economista diz não saber para que lado penderia mais a balança do impeachment nesse momento, mas ressalta que, se mantiver o mandato, a presidente terá que responder a ele governando e tomando decisões. Se ocorrer o impeachment, quem assumir deve carregar o mesmo peso nas costas, lembra. O ideal, porém, é que ela fique e tome as decisões que têm que tomar para o bem ou para o mal, com outro ministério ou não, afirma.

 

Questionado de que forma avalia a aceitação imediata do programa do PMDB, 'Ponte para o Futuro', pelo mercado financeiro, Belluzzo optou por fazer uma conjectura "impossível", avisou. "Termina logo esse negócio e faz um governo de composição. Chama o Serra", disse em referência a seu amigo de muitos anos. O senador José Serra (PSDB), aceitaria um convite da presidente? "Tem hora que é preciso abrir mão das suas idiossincrasias", devolveu.

 

Para Belluzzo, o governo errou ao protelar o enfrentamento do impeachment, cujo processo no caso de FHC, diz ele, foi reprovado rapidamente. "Tem horas que é preciso desassombro e desapego". E já que a medida foi aprovada, ainda que impropriamente, diz que é preciso resolvê-la para não deixar o país "gemendo sob um governo que não toma decisão".