Em 1995, quando o ex-Ministro Antônio Britto assumiu o governo do Rio Grande do Sul, ele sabia muito bem que teria que governar o governo, antes mesmo de governar o Estado, porque o setor público estadual estava virtualmente quebrado, o que incluía o seu principal banco, o Banrisul. Era uma tarefa inadiável, já que o Plano Real, implementado um ano antes, conseguiu conter a renitente inflação galopante e estabilizou a economia, o que quer dizer que as finanças públicas e o próprio sistema financeiro estatal e privado, teriam que passar por reformas estruturais dramáticas e imediatas.

    

     O Plano Real só surgiu depois de inúmeros outros planos de estabilização econômica, todos subseqüentes ao fracassado Plano Cruzado.

    

     Ao reorganizar o sistema econômico brasileiro, o Plano Real tornou visível a olho nu todos os tumores que minavam por dentro e por fora a saúde econômica e financeira do Brasil. Foi o caso do sistema financeiro. Inúmeros grandes conglomerados, privados e públicos, mostraram a verdadeira cara. O maior destes bancos, o Banco do Brasil, só não quebrou porque o Presidente Fernando Henrique Cardoso capitalizou-o em US$ 8 bilhões, tão logo assumiu, porque ele não sobreviveria sequer ao terceiro mês de Governo.

    

     Quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso tomou posse, já na condição de Pai do Plano Real, assumiram com ele todos os Governadores eleitos, o que incluiu os quatro Governadores que administrariam os Estados mais endividados do País: São Paulo, Minas, Rio e Rio Grande do Sul. Neles estavam concentrados 90% da dívida pública brasileira. O mal estado dela, tinha contaminado de maneira cruel os seus bancos estaduais, já que eram eles os responsáveis pela administração das dívidas públicas.

    

     No Rio Grande do Sul, o Governador Antonio Britto, que participou do Governo Itamar Franco e foi colega do então Ministro Fernando Henrique Cardoso, sabia muito bem o que teria que fazer. Dentro do Governo Itamar Franco, ele participou ativamente das conversações destinadas a implantar o Plano Real e naquele momento ficou claro que o próximo Presidente proporia a renegociação das dívidas dos Estados, porque precisava sanear as finanças do setor público com um todo e rearranjar o sistema financeiro, visando torná-lo saudável, pró-ativo e competitivo. Estava pronto para agir. Foi o primeiro a tocar a renegociação da dívida estadual junto ao Tesouro Nacional, ao mesmo tempo em que saneou o sistema financeiro estadual, acabando com o Badesul e a Caixa Estadual, visando salvar o Banrisul, imediatamente liberto de dívidas monstruosas que o asfixiava – além de capitalizá-lo.

    

     O Presidente do Banrisul na época, Ricardo Russowsky, lembra que os Governadores de São Paulo, Rio, Minas e Rio Grande do Sul tiveram duas opções em relação aos seus bancos estaduais: 1) vendê-los para outros grupos nacionais ou estrangeiros. 2) reestruturar o sistema financeiro estadual e sanear o banco estatal, através da injeção ou financiamento público federal. Minas, São Paulo e Rio decidiram vender seus bancos estaduais, mas o Rio Grande do Sul optou pela reestruturação.

    

     O saneamento do Banrisul deu-se no âmbito da renegociação da dívida pública estadual, que foi assumida pelo Governo Federal. Um dos acordos contemplou o saneamento do banco gaúcho, que passou à condição de banco comercial como qualquer outro banco, embora com funções também de fomento, já que o Governo do Estado desejava manter um papel importante como alimentador e alavancador da economia estadual.

    

     Resultado do acordo de renegociação da dívida estadual gaúcha de R$ 31 bilhões, o Governo do Estado recebeu um empréstimo de R$ 1,5 bilhão para sanear o Banrisul. Foi dinheiro do Tesouro Nacional. A dívida foi assumida pelo Governo e não pelo banco.

    

     De acordo com os contratos assinados com Brasília, o Governo gaúcho poderia, como pode ainda hoje (o contrato principal é de 30 anos), passar o banco adiante, reduzindo em razão disto o gatilho do limite total que o pagamento anual da dívida faz incidir sobre a Receita Corrente Líquida Própria, que é de 13%. Caso venda o banco, o limite cairá para 11%.

    

     A dívida pública gaúcha foi assumida pelo Governo Federal, devendo ser quitada em 30 anos, pagando juros anuais de 6% e mais correção.

    

     Apesar de estabilizada a economia brasileira a partir do Plano Real, as condições dos contratos de renegociação da dívida pública gaúcha nunca foram alterados, mesmo nos governos seguintes ao de Antônio Britto.

    

     Ao assumir em janeiro de 2007, a Governadora Yeda Crusius tinha mais com o que se preocupar, porque era de descontrole o cenário das finanças públicas estaduais. Foi sobre ele que se debruçou ao implementar logo de início, nos primeiros dias, um consistente e duro programa de redução do déficit crônico, implantando o chamado Plano do Déficit Zero.

    

     Foi em meio à polvadeira dos primeiros dias de Governo que ela resultou procurada pelo seu Secretário da Fazenda, Aod Cunha, que através do Presidente do banco, Fernando Lemos, ficou sabendo do projeto de um portentoso lançamento internacional de ações do Banrisul, um IPO, do qual nunca tinha ouvido falar, mas que foi gestado dentro do banco desde o ano anterior. O IPO só não saiu em 2006, porque Lemos considerou inapropriado o momento político, já que o ano foi de eleições gerais.

    

     Na conversa com o Secretário da Fazenda, Fernand Lemos explicou as razões do adiamento do IPO:

        - Cogitamos do lançamento no ano passado, mas 2006 foi um ano eleitoral geral. Acontece que uma operação deste tipo exigia e exige movimentações políticas delicadas e o momento não era propício.

    

     Yeda percebeu imediatamente do que se tratava e deu luz verde.

    

     O novo Governo mal se instalara. Estava na sua terceira semana. Aod Cunha procurou a Governadora, levando junto seu Secretário Adjunto, Ricardo Englert, que mais tarde iria substituí-lo no cargo:

         - O pessoal do Banrisul trabalhou durante seis meses esta operação de IPO. É um valor muito alto. Quero saber se podemos tocar, porque está tudo pronto para irmos ao mercado, cuja conformação é muito favorável neste momento.

        - Eu já conheço o projeto em detalhes. Pode tocar. Quanto tiveres uma percepção total sobre o negócio, volta a me procurar. Aí tomaremos a decisão final.

    

     O Governo decidiu colocar no mercado o equivalente a US$ 1,2 bilhão, algo como R$ 2,1 bilhão em valores de janeiro de 2007.

    

     Desde os primeiros dias, o Governo decidiu que o IPO não serviria unicamente para aumentar o capital do Banrisul, mas também para beneficiar o acionista principal, o Governo do Estado, que afinal de contas, 15 anos antes, fora ele quem salvara o banco do default, assumindo dívidas cuja quitação se estenderia por 30 anos.

    

     Apenas meio ano depois, no dia 27 de julho, saiu o IPO. E tudo em dinheiro vivo. O banco conseguiu tocar um lançamento mundial de ações, obtendo inacreditáveis R$ 12,00 por cada uma delas.

    

     A Bolsa de São Paulo, quando foi procurada para abrir seu espaço para o lançamento das ações, nunca acreditou que o Banrisul, Crédit Suisse e UBS conseguiram completar a operação em apenas seis meses. A surpresa dos paulistas foi completa quando ajudaram a bater o martelo, dia 27 de julho de 2007.

    

     Ao elaborar o business plano que serviu de base para que o Crédit Suisse e o UBS organizassem as reuniões com investidores e os road shows, para oferecer as ações do Banrisul ao mundo, ficou claro que elas teriam duas origens diferentes:

          1) O Governo venderia 30% das suas ações.

          2) O banco faria um aumento de capital.

    

     Foi graças a isto que ações pelas quais o mercado nunca pagou mais de R$ 5,00 por cada uma, tiveram seu valor catapultado para R$ 12,00.

    

     Não fosse o IPO, o Governo não teria conseguido embolsar os R$ 1,2 bilhão que embolsou, mas apenas R$ 500 milhões, e apenas no caso do mercado se interessar pelo negócio.

    

     Até hoje, as ações que efetivamente demonstram liquidez são as novas 167 milhões de ações, portanto as que renderam R$ 800 milhões para o banco. As ações velhas colocadas pelo Governo, continuam no purgatório dos pregões da Bolsa de São Paulo.

    

     Em uma única só vez, o banco colocou no seu caixa R$ 800 milhões e o Governo do Estado entesourou inacreditáveis R$ 1,3 bilhão, dinheiro que a Governadora Yeda Crusius jamais tinha sonhado amealhar antes em uma única cartada, vendendo exclusivamente papéis referentes a uma parte do capital que detinha no banco.

    

     Foram R$ 1,3 bilhão que Yeda poderia usar como bem entendesse.

    

     Foi o maior IPO jamais feito até hoje por qualquer tipo de banco de porte médio público ou privado em todo o mundo.

    

     A partir daí, o Banrisul passou a ter base de capital e caixa para crescer geometricamente e se manter competitivo no mercado, por mais disputado que ele viesse a ser.

    

     Como se sabe, bancos operam seus créditos em cima de limites estabelecidos a partir da sua base de capital e do seu caixa.

    

     Em 2007, quando a governadora Yeda Crusius decidiu tocar o IPO, o volume de crédito colocado no mercado era de R$ 8 bilhões e o banco estava no limite da sua capacidade de crescimento, dada sua pequena base de capital, embora existisse caixa. Em apenas três anos, esse volume dobrou, passando para R$ 16 bilhões - graças ao sucesso do IPO.

    

     O Banrisul não só não foi vendido para o Banco do Brasil, como não se encolheu e até avançou sobre outras regiões do Brasil, embora de uma forma inusitada. O Presidente do banco, Fernando Lemos, pouco antes de sair do cargo, em maio de 2010 comemorou inéditas compras de ativos. O Banrisul comprou o equivalente a quatro bancos médios nos últimos três anos, que foram os casos das carteiras de crédito consignado, todas fora do Estado, no valor total de R$ 2 bilhões. Em apenas um ano, o banco ganhou R$ 60 milhões com estas carteiras, cujo risco é equivalente a zero. E isto tudo sem instalar uma só agência fora do Estado e sem contratar um só novo funcionário.

    

     O novo Governo tinha acabado de assumir. Não tinha nem 30 dias de assento no palácio Piratini. Corria o mês de janeiro de 2007.

    

     No Livrinho Azul formulado para balizar as ações do novo Governo, caso Yeda viesse a se eleger, o PSDB não tinha desenhado nenhuma operação de IPO para o Banrisul.

    

     Tudo era novidade para a equipe que acabara de assumir, disposta a implementar prioritariamente um conjunto de providências mais estruturais, destinadas a equilibrar as finanças públicas estaduais e recuperar a capacidade de investimento do Estado.

    

     O secretário da Fazenda, Aod Cunha, saiu do Palácio Piratini com a lista da equipe que deveria tocar o IPO, integrada pelo próprio Aod, mais o seu Adjunto, Ricardo Englert, casualmente funcionário de carreira do banco, o Presidente do Banrisul, Fernando Lemos, a Procuradora Luciana Mabilde, da Procuradoria Geral do Estado, e Ricardo Hingel, Diretor. Lemos e Hingel tinham levado todo o projeto para Aod, que comprou imediatamente a proposta.

    

     Desde o início do ano anterior, 2006, o banco vinha pensando na melhor maneira de fazer um mega lançamento de ações, mas as eleições de outubro impediram qualquer avanço. Em meio ao processo eleitoral, o vendedor pagaria a conta pelas turbulências políticas, já que ficaria evidente a insegurança sobre os objetivos do novo titular do grupo controlador, no caso o Governo do Estado. Apesar disto, o ano foi consumido em estudos e reuniões exaustivas para a confecção do business plan do lançamento.

    

     Janeiro de 2007 estava chegando ao fim. No dia 29, a equipe nomeada tocou a sua primeira reunião.

    

     Yeda Crusius percebeu na mesma hora a importância econômica para o Estado, financeira para o Banrisul e política para o Governo, tratando de passar a informação para a mídia do Rio Grande do Sul e do Brasil.

    

     Foi a primeira grande notícia da nova administração tucana.

    

     O projeto todo do IPO foi gestado durante meio ano dentro do banco, dentro de um plano de negócios mais abrangente, intitulado Projeto 2010, que previa uma verdadeira revolução do crédito do Banrisul.

    

     O valor extraordinário do IPO nunca chegou a ser trabalhado antes de concretizado o plano de negócio do Projeto 2010, que, este sim, balizou os objetivos finais a alcançar.

    

     Foram escolhidos para "venderem" o IPO o Crédit Suisse e o UBS. O Governo descartou a intermediação de bancos brasileiros, já que todos concorrem diretamente com o Banrisul e tomariam conhecimento de informações estratégicas das operações do banco do Rio grande do Sul. A opção foi procurar os bancos estrangeiros. A lista diminuiu drasticamente para cinco nomes. Uma primeira rodada foi realizada nos primeiros dias de fevereiro com os cinco bancos. A idéia era obter um desenho do negócio e opções de preços. Outras duas rodadas ocorreram nos dias seguintes e em fevereiro a Governadora Yeda Crusius fez um anúncio formal sobre a criação do grupo de auxiliares que conduziriam o IPO.

    

     Em fevereiro mesmo, UBS e Crédit Suisse foram os únicos que sobraram da lista inicial de cinco bancos.

    

     Na dúvida sobre qual deles oferecia mais qualidade e melhor preço, o Banrisul resolveu abraçar os dois bancos, porque o grupo concluiu que um banco poderia ir auditando o serviço do outro durante a operação.

    

     No final de fevereiro, os contratos com UBS e Crédit Suisse foram fechados depois que a Governadora aprovou o IPO e a Assembléia Legislativa sancionou. A rigor, o Governo não precisava de aprovação legislativa, já que a decisão de aumentar ou não capital de empresa estatal, mesmo um banco, não depende disto.

    

     Tinham se passado apenas 45 dias desde que Yeda tomara conhecimento do projeto.

    

     A escolha dos dois bancos globais só ocorreu ao final de consultas a muitos outros bancos.

    

     UBS, Crédit Suisse, Banrisul e Secretaria da Fazenda promoveram uma elaboração difícil, porque a cada negociação o Business Plan era aperfeiçoado. Os dois bancos suíços tocaram uma due dilligence sofisticada dentro do Banrisul e no interior da própria Junta financeira da Secretaria da Fazenda. A configuração final só aconteceu às vésperas do lançamento, no finalzinho de junho de 2007, até porque a data limite estabelecida por todos, findaria em julho, já que este tipo de operação costuma transitar melhor antes das férias de julho, sobretudo no Hemisfério Norte. 

    

     A partir daí foi uma corrida contra o tempo.

    

     O mercado parecia estar pedindo o IPO e o próprio Banrisul dependia dele para se colocar na linha de largada do novo momento vivido pela revolução de crédito que cadenciou a banca brasileira naquele início de 2007.

    

     O Banrisul vinha de um período de crescimento muito baixo, comparativamente ao que ocorria nos outros bancos brasileiros. O mais importante de tudo é que o Brasil estava se preparando para decolar e o Rio Grande do Sul pegaria o trem ou novamente ficaria na estação.

    

     A vantagem para o banco é que ao mesmo tempo em que ele se reestruturava, também a economia brasileira se preparava para novos saltos. 2003, o primeiro ano das mudanças, como também 2004 e 2005, passaram sem grandes novidades interna e externamente, sendo que 2005 foi até muito ruim para a economia brasileira, mas a partir daí, 2006 e 2007, o crescimento foi explosivo, interrompido em setembro de 2008 com a crise financeira global.

    

     O cenário desenhado, já em 2006, era um cenário de crescimento econômico alto e sustentando, que por isso exigiria maior volume de recursos para emprestar a taxa de juros e spreads menores, caso o banco quisesse sobreviver e crescer dentro do Rio Grande do Sul.

    

     Isto tudo significa que os bancos teriam que ganhar escala.

    

     O que percebeu o Banrisul era que a competição mais acirrada o obrigava a trabalhar mais e ganhar menos por operação, o que o obrigaria a sustentar linhas de crédito para suportar períodos de dois e até três anos de financiamentos, algo inviável naquele momento, já que não existia base de capital para bancar o negócio.

    

     Caso não se atrevesse a dar o salto, o banco teria que se encolher ou seria vendido para o Banco do Brasil. A oferta de compra chegou a ser recebida e repelida pela Governadora Yeda Crusius. O Banrisul até poderia continuar emprestando valores significativos para as pequenas empresas, mas prosseguiria sem disputar contas bem maiores – Gerdau, por exemplo.

    

     A seqüência ao momento de rearrumação da casa, iniciado em 2003, demonstrou, em 2006, que tinha chegado a hora de comprar roupas boas e dinheiro para ir para a festa. Para isto, era preciso aumentar o capital. Daí a proposta do IPO, cujo desenho começou a ser feito exatamente naquele momento, em 2006.

    

     O IPO estava formatando e só não foi para a rua no mesmo ano porque as eleições tornaram o cenário financeiro muito volátil.

    

     Se quisesse sobreviver e se manter competitivo, mesmo como um banco de porte médio, teria que se capitalizar urgentemente.

    

     Quem examinar os números do banco perceberá que, logo depois do IPO, as operações de crédito avançaram geometricamente a cada mês e não mais cada ano. Em 2008, antes da crise de setembro, mês contra mesmo mês do ano anterior, os crescimentos chegavam a bater na casa dos 50%.

    

     Um dilema semelhante – morrer ou sobreviver – o banco enfrentou dez anos antes, em 1995, quando o Governo Antônio Britto, do PMDB, decidiu encarar um dificílimo programa de saneamento e recuperação, que exigiu um empréstimo equivalente a R$ 2 bilhões do Tesouro Nacional. O Governo que sucedeu ao de Antônio Britto, no caso o Governo do PT, de Olívio Dutra, limitou-se a administrar o Proes, mas não invocou, o que só começou a acontecer com a chegada do Governo seguinte, o de Germano Rigotto, em 2003, com a posse de Fernando Lemos na Presidência.

    

     A partir de 2003, o Banrisul sofreu um programa profundo de reestruturação, processo que passou, sobretudo, por pesados investimentos em tecnologia da informação, tanto em equipamentos quanto em softwares. Todos os processos internos foram reestruturados. Sistemas estratégicos modernizaram-se, ganharam musculatura e passaram a oferecer respostas imediatas.

    

     Ao final de quatro anos, o banco tornou-se realmente seguro e competitivo.

    

     O conjunto de mudanças implementadas  permitiu que o banco se tornasse operacional e ganhasse escala.

    

     A automação dos sistemas, permitiu agilizar carteiras como a de pessoas físicas, porque de outro modo é impossível agilizar a concessão de créditos para 3 milhões de clientes  que precisam de dinheiro e querem fazer pagamentos. Nestes casos, velocidade e qualidade decidem tudo. A partir das reestruturações de 2003, as análises de concessão de crédito passaram a sair através de processos automatizados balizados por dois programas diferentes, o Credit Score e o Behavor Scores. Com isto, o cliente passou a ser atendido já na ponta com seu cadastro analisado e com os limites de endividamento previamente aprovados. Isto significa que nas agências os operadores, como os Gerentes, exercem atualmente a tarefa exclusiva de comercializar os produtos do banco, porque não cabe mais a eles promover a análise dos cadastros e fixar os limites de concessão de crédito.

    

     Nada disto era deste modo antes de 2003.

    

     O banco investiu pesadamente em equipamentos, softwares, pessoal especializado e treinamento. O valor chegou a uma média de R$ 100 milhões por ano, durante quatro anos seguidos. Eles prosseguem muito altos.

    

     Ao final do processo ainda no Governo Rigotto, o presidente Fernando Lemos costumava repetir que tinha os bancos nas mãos. Era um domínio virtual, mas verdadeiro. Sem isto, seria impossível administrar carteiras de crédito que em 2010 somavam alguma coisa como R$ 14 bilhões. Apenas desta forma é possível projetar metas, acompanhar diariamente a execução de todas elas e através disto corrigir o rumo.

    

     As mudanças não ocorreram apenas nas áreas de crédito, mas em todas as demais áreas do banco. Assim é que níveis de inadimplência passaram a ser medidos on line, permitindo imediatas intervenções nos pontos de deslocamento, sejam eles em regiões, setores e até agências.

    

     A intervenção foi de tal maneira incisiva, que em algumas áreas o Banrisul conseguiu ultrapassar a concorrência. E o caso da segurança bancária. O banco passou a trabalhar com cartões de crédito e de débitos chipados, inclusive no uso através dos chamados home banking, via internet. Até meados de 2010, concorrentes poderosos como Itaú e Bradesco, prosseguiam exigindo ultrapassados tolkens para manejar as contas através da web. Na área de segurança bancária, o banco tem abiscoitado prêmios nacionais e internacionais inéditos.

    

      No mundo inteiro, a demanda por ativos era ilimitada. Foram meses de grande euforia. Crédit Suisse e UBS estão convencidos de que o mês em que foi batido o martelo, julho de 2007, foi o melhor mês da década, para derreter e o resultado foi a crise financeira global de setembro de 2008. Como se sabe, setembro de 2008 foi o ápice da crise global, mas a economia global começou a deteriorar bem antes.

    

     No finalzinho de julho de 2007 o céu começava a ficar gris.

    

     No dia 27 de julho, data do IPO, Crédit Suisse, UBS e o próprio Banrisul, examinaram as planilhas de reservas de ações e perceberam que alguns fundos começavam a claudicar.

    

     Era preciso bater imediatamente o martelo e isto foi feito.

    

     O Banrisul tinha entrado na hora certa, com o produto certo e no mercado certo.

    

     No front interno, o banco ampliou e fortaleceu sua área de atendimento aos acionistas porque a chegada de milhares novos e poderosos parceiros do mundo todo passaria a ser uma exigência do mercado. Com isto, fortaleceu-se a posição do Diretor de Relações com Investidores, Ricardo Hingel, peça chave em todo o processo de IPO. Até ali, a área de acionistas era muito restrita, apenas dois funcionários operando para cumprir formalidades exigidas por lei. Esta prática teria que mudar radicalmente. Foi imediatamente criada uma Gerência de Relações com Investidores e alocadas nela seis vezes mais pessoal.

    

     Além de fazer uma boa gestão, chegando ao final do ano com balanços reluzentes, o Banrisul teria que manter relações ativas com o mercado, criando mecanismos de comunicação transparente e qualificados. Isto foi feito até a data do lançamento do IPO, 27 de julho. Tornaram-se constantes as viagens feitas por Diretores aos três continentes onde se localizam poderosos acionistas – mas também para buscar novos investidores. Canais customizados foram criados para atender acionistas e sobretudo analistas de bancos e fundos de investimentos localizados no exterior ou no Brasil. Foi criado e introduzido um sistema de conference call, voltado especialmente para atender os analistas dos bancos e fundos de investimento. Acionado do exterior ou internamente, o próprio Diretor e Gerente de Relações com os investidores entram em conexão e oferecem todos os dados e informações. Também foi criado um mecanismo de acionamento automático de e-mails para uma lista de mil acionistas brasileiros e 600 acionistas do exterior.

    

     O banco passou a ser muito bem visto não apenas no Rio Grande do Sul, onde concentra 95% das suas operações, mas também no restante do Brasil e no exterior. Em 2010, a marca Banrisul já estava valendo, por si só, R$ 632 milhões, segundo listagem da intebrand. Uma das 10 mais poderosas marcas do Brasil, atrás do Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Federal.

    

     Durante todo o mês de julho de 2009, a equipe nomeada por Yeda tomou um avião atrás do outro e viajou 27 dias mundo a fora, começando por São Paulo e Rio. Depois vieram Paris , Genebra, Singapura, Nova Iorque, Boston, Baltimore, San Franciso, Los Angeles e Nova Jersey. Nos Estados Unidos, as sucessivas missões foram costa a costa. O Presidente do Banrisul fez o mercado dos Estados Unidos, junto com Aod Cunha e Ricardo Hingel. Os dois, que dominavam bem o inglês, completaram todos os roteiros. A Procuradora Mabilde acompanhou boa parte das viagens. Nas reuniões, Aod abria os trabalhos, apresentando o Brasil e o Estado, com ênfase para o programa de zeramento do déficit público, enquanto Hingel analisava os aspectos técnicos do IPO.

    

     A ênfase principal do banco aconteceu em Londres, porque praticamente todas as vendas de ações no continente europeu estão concentradas na Inglaterra, por onde também é mais fácil chegar ao Oriente médio e a todo o continente Asiático, incluindo China, Japão, Coréia e Singapura. Este papel, desempenhado por Londres, que Mauá descobriu muito antes do que qualquer outro brasileiro, foi transferido depois da II Guerra para Nova Iorque, mas os atentados às torres Gêmeas devolveu esta condição a Londres. Nova Iorque ainda é o centro nevrálgico para ações destinadas a atingir o próprio mercado americano – o mais importante de todo o mundo.

    

     Na Ásia, a opção por Singapura envolve um episódio curioso relacionado com as reuniões realizadas ainda no Brasil, em São Paulo. É que as apresentações foram acompanhadas por um importante investidor da região. A visita a Singapura ocorreu para fisgá-lo.

    

     Ao final dos 27 dias da primeira rodada de viagens para participar das 168 reuniões programados pelo Crédit  Suisse e UBS, o Diretor do Banrisul, Ricardo Hingel, resolveu apurar os números registrados pelo seu GPS, acionado quando partiu de Porto Alegre, obtendo ali um número surpreendente: a missão tinha percorrido 57 mil quilômetros em menos de um mês. Ricardo Hingel, antes de sair do banco para atender convite do BPG Pactual, cumpriu dez roteiros diferentes de viagens. Seu parceiro de viagens, Aod Cunha, perdeu 5 quilos quando voltou do roteiro.

    

     A missão gaúcha costumava abrir o dia com um café da manhã, sempre às 7 horas, reunindo grupos de investidores, sustentando depois reuniões com banqueiros e corretores, a cada 60 minutos, entrecortado por almoços maiores, com programações que iam até as 20 horas. As viagens entre uma cidade e outra e entre um país e outro, eram programadas para a madrugada.

    

     Antes mesmo de começar a primeira rodada de road show, ao final das reuniões com investidores,  para apresentar os números, as projeções e os compromissos presentes e futuros com os acionistas, o Banrisul  já tinha definido com Crédit Suisse e UBS o valor que desejava obter por cada ação colocada no mercado global. Ele oscilaria entre um mínimo de R$ 10,50 e um máximo de R$ 13,00, levando em consideração, também, a disposição dos investidores.

    

     O valor arbitrado para cada ação, resultou do business plan, mas ele esteve sempre sujeito às disposições do mercado , como percebeu depois o banco, conforme registros dos books de ofertas organizados pelo Crédit Suisse e UBS.

    

     O Business Plan, foi a chave do negócio. Isto porque qualquer investidor ou analista pode simplesmente alegar que determinadas projeções jamais serão alcançadas. O Banrisul teve que enfrentar esta discussão, porque os analistas dos bancos e dos fundos de investimento só admitem planos de negócio consistentes, já que o dinheiro é aportado dentro de determinadas expectativas de ganhos, o que se expressa através dos dividendos e da repartição dos lucros projetados. No caso do Banrisul,os valores mais examinados foram os que se relacionavam com as expectativas para o balanço do próprio ano, mas sobretudo para o ano seguinte, 2008. Tudo teria que ser e parecer muito consistente.

    

     Os dois bancos suíços organizaram seu próprio book de ofertas e nas planilhas passaram a registrar as ofertas. Foi com base nos registros ali feitos que o valor definitivo, R$ 12,00, acabou emplacando. É que o book de ofertas demonstrou que era nessa faixa que se registrava o maior número de interessados, mas também cumpriam outras condições impostas pelo Banrisul, como a de evitar a concentração exagerada e garantir investidores de qualidade.

    

     O governo tinha deixado bem claro que não era do seu interesse passar 46% das ações do banco para um pequeno número de investidores e nem tampouco para investidores inconsistentes.

    

     O êxito do IPO do Banrisul acabou sendo um problema para o novo Governo, porque Yeda começou suas ações com o anúncio de um duro, azedo e consistente programa de combate ao déficit, o chamado Déficit Zero, e repentinamente deu de cara com R$ 1,3 bilhão disponível para fazer o que bem entendesse. Mesmo dentro do Governo, muitos auxiliares de Yeda defenderam a idéia de que os recursos inesperados poderiam ser utilizados para abrandar o rigor do combate ao déficit fiscal. O Governo percebeu este risco e tratou de blindar todo o dinheiro que recebeu pela venda das ações decorrentes do aumento de capital do banco. Numa dramática reunia com o Secretariado, a proposta de Yeda foi bloquear 100% do dinheiro em dois Fundos de Previdência. Um deles, o da Previdência Complementar, R$ 400 milhões, constituiria o ponto de largada, enquanto que o outro, o da Previdência propriamente dita, R$ 700 milhões, serviria para amortizar parte dos gastos mensais com aposentadorias correntes.