APRESENTADORA PATRÍCIA CAMPOS MELLO – O excesso de pesca ameaça a existência do atum no planeta. A escassez é tanta que no Japão um peixe chegou a ser vendido por 1, 5 milhão de reais este ano. O Brasil é um dos últimos santuários do atum no mundo, mas quem pesca boa parte do atum brasileiro são justamente navios japoneses e o maior beneficiado é o empresário brasileiro Gabriel Calsavara de Araújo.

Quando Gabriel era diretor do então Departamento de Pesca do então governo FHC, ele criou um marco regulatório que permite a barcos estrangeiros pescarem atum na costa brasileira. Depois que saiu do governo, Gabriel abriu uma empresa, a Atlântico Tuna, que se tornou a maior concessionária de licenças para barcos estrangeiros.

O ATUM É NOSSO?

PESCADOR – O peixe está acabando. Está vendo aí? Mais de 6 milhas para tirar um único peixe! Lá no Japão já acabaram com o atum. Agora estão vindo pra cá para acabar com o nosso atum.

JORGE PABLO CASTELO (Prof. Aposentado da UFRGS) – Me animaria dizer, como digo aos meus alunos, que é uma forma de pirataria moderna.

TORQUATO RIBEIRO NETO (empresário do setor pesqueiro) – Se permanecer sistematicamente operando esta frota estrangeira, realmente vai inviabilizar a frota nacional.

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE  – A reportagem da Folha passou 4 dias dentro de um barco pesqueiro brasileiro em alto mar, acompanhando essa atividade de caça ao atum.

COMANDANTE DO BARCO – Eu to querendo trabalhar aqui nessa posição. O espaço aqui é pequeno, você está vendo ai a dificuldade que está para todo mundo trabalhar, né?

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE – O problema da concorrência dos navios japoneses é que ela afeta não só os pescadores diretamente envolvidos com a pesca do atum, mas afeta todo um setor industrial que depende disso.

TORQUATO RIBEIRO NETO - Porque essa frota de barcos nacionais ela, quando está operando aqui no Rio Grande, utiliza o parque industrial de Rio Grande.

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE – O economista Gabriel Calsavara de Araújo foi Secretário nacional da pesca durante o governo FHC. Ele elaborou um decreto que permite o arrendamento de embarcações estrangeiras por empresas nacionais. Já existia arrendamento, mas ele era tão difícil que as empresas, que eventualmente se interessassem em explorar as riquezas da pesca no Brasil, acabavam ficando desestimuladas. Com o decreto que ele ajudou a elaborar isso ficou muito fácil. Gabriel Calsavara de Araújo foi o maior beneficiário dessa lei que ele mesmo ajudou a aprovar. E hoje em dia ele é o único arrendatário de barcos japoneses que promovem a caça ao atum no litoral brasileiro.

GABRIEL DE ARAÚJO – O que nos interessa é utilizar esse sistema de arrendamento de embarcações para que a gente tenha informações, para que a gente possa avançar na pesca oceânica.

TORQUATO RIBEIRO NETO – Acredito que a questão do arrendamento do atum está totalmente ultrapassada. Quem diz que existe perspectiva de incorporação de tecnologias através deste arrendamento, acho que está totalmente equivocado.

GABRIEL DE ARAÚJO – Se a gente já tem essa informação de que aí tem peixe, se a gente entende que já concluiu o ciclo e que nós não precisamos mais dessa frota, que ela não tem mais o que dar pra gente de informação, manda embora!

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE ao GABRIEL DE ARAÚJO – Porque é que só a Atlântico Tuna é arrendatária de barcos hoje em dia?

GABRIEL DE ARAÚJO – Porque eu fui atrás, eu tenho o know how...

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE ao GABRIEL DE ARAÚJO – Os outros empresários não perceberam essa oportunidade que existe?

GABRIEL DE ARAÚJO – Laura, isso você tem que perguntar a eles, não a mim.

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE – O Ministério da Pesca determina que a atividade dos navios japoneses seja fiscalizada por um observador de bordo.

COMANDANTE DE BARCO – Até tem observador de bordo, mas a gente tem até a dúvida: será que esses caras estão registrando tudo isso?

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE – Esses observadores de bordo são remunerados pelo barco que eles deveriam fiscalizar.

JORGE PABLO CASTELO – Isso cria uma espécie de ambiente contrário. Não me parece apropriado que o poder público abra mão de ter uma pessoa totalmente isenta.

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE – Durante o período em que a Folha esteve dentro do Gera 8, desse barco brasileiro, a gente conseguiu captar a conversa entre dois observadores de bordo, cada um em um navio japonês.

OBSERVADOR 1 – Meu irmão, hoje aqui o Gera 8, o ilustre Gera 8, deixou de fazer a pescaria dele pra vir engrolhar o material dele com o da gente, e ainda trouxe de câimbra uma repórter por cima do barco dele, fazendo uma reportagem. A gente agora está mais famoso...

OBSERVADOR 2 – Aí, caso dê bronca judicial, é o teu relatório que vai pra mesa do “homem de capa preta”.

OBSERVADOR 1 – Judicial de cu é rola, meu irmão. Ano que vem eu vou vir aqui com o Rocky 2 (barco de Araújo) por cima do comando e uma trupe de nordestino com faca no bucho.

REPÓRTER LAURA CAPRIGLIONE – O conflito entre os pescadores brasileiros e os pescadores japoneses acontece no exato momento em que a pesca do atum está sendo questionada no mundo inteiro.

JORGE PABLO CASTELO – A cada ano que passa, os peixes que estão pegando são menores e mais leves. E esse é um claro sinal de que a pesca está afetando a composição dessa população de peixes.

OBSERVADOR 1 – Meu irmão, eu não to nem aí. A gente ta botando peixe pra cima que já vai pra mais de cem peças. E por mim, eu quero é que esses caras pesquem mesmo, até o peixe voar pela janela, meu irmão. Tô não aí, brother.

COMANDANTE DE BARCO – A gente sabe que o atum, no mundo, já ta extinto em alguns países. E aqui ainda tem alguma coisa. Eu sei que meus netos já não vão pescar atum.

OBSERVADOR 1 – Meu irmão, o oceano não tem dono não, meu compadre. E o cara tem autorização para embarcação, para pescar nessa área. E finito brother.